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Geovani Martins: Morador do Vidigal lançará livro em nove países

Além de vendas na China, Alemanha e EUA, 'O Sol na Cabeça', livro de contos do carioca de 26 anos, também ganhará uma adaptação para o cinema

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 abr 2018, 09h10 - Publicado em 22 abr 2018, 09h10
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  • “Nem Chico Buarque vendeu seus livros para nove países antes de publicá-los no Brasil.” Essa foi uma das frases mais pronunciadas em março, quando o assunto da conversa era o lançamento da primeira publicação de Geovani Martins. O Sol na Cabeça (Cia. das Letras) sairá na China, Alemanha, França, nos Estados Unidos, no Reino Unido…

    Carioca de Bangu, 26 anos, ele abandonou a escola na oitava série, viveu a adolescência na favela da Rocinha e no Vidigal – para onde voltou recentemente –, foi homem-placa, entregador de comida, vendedor em barraca de praia. Pode parecer uma descrição do escritor pelo lado exótico, mas talvez isso explique o porquê de seus contos agradarem tanto.

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    Os protagonistas transpiram e cheiram de verdade. A voz deles chega alta aos ouvidos de quem lê. O cenário da favela pula da página e as gírias de Geovani, inicialmente indecifráveis, ao final do livro estão incorporadas pelo leitor.

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    Ele ainda retrata de maneira irretocável personagens como a macumbeira dona Iara. Para completar, antes de vir a público foi lido pelo próprio Chico, pelos cineastas Fernando Meirelles, Walter e João Moreira Salles e tem como padrinho o cronista Antonio Prata, que o conheceu, anônimo, na Festa Literária Internacional de Paraty, no ano passado. Mais incensado, impossível.

    CLAUDIA: De onde saiu Geovani? Quem foram sua mãe, seu pai, sua avó?

    Geovani Martins: Dona Neide é fundamental nessa história. Eu morava sozinho já fazia cinco anos quando voltei para a casa dela, em 2015, dizendo: “Mãe, preciso fazer um livro, não vou procurar trabalho e tenho que viver com você por um tempo”. Ela me viu escrevendo à mão, porque tinha quebrado o computador usado que ganhei. Sabia que eu gostava de objeto de antiguidade, de vinil, e comprou uma máquina de escrever Remington portátil na Feira de São Cristóvão por 20 paus. Meu pai dirige um caminhão de gelo. Quem o viu jogar futebol garante que ele podia ter sido um craque de grandes sacadas em campo. Acho que faltou disciplina. Foi um moço muito bonito, galãzinho… Também não contou com a sorte nem conhecia gente influente no meio. Minha avó me ensinou a ler. Eu era obsessivo, pedia para ela contar mil vezes a mesma história e ia vendo as letras, as sílabas. Tenho três irmãos de sangue e um punhado de irmãos de consideração – pessoas queridas que foram chegando, trazidas por padrastos e madrastas.

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    CLAUDIA: Com duas mulheres tão fortes na sua biografia, por que as suas personagens femininas são só coadjuvantes?

    Geovani: Não sei se dou conta de desenvolver uma protagonista com a mesma verdade que coloco nos personagens masculinos. Minha mãe trabalhou desde os 9 anos, foi babá, cozinheira, me criou de forma amorosa, livre e com muita conversa. Gosto de rock por causa dela. A gente falava sobre as letras de Raul Seixas e Cazuza. Ela saía para dançar, e eu achava aquilo legal. E acabou compreendendo quando eu avisei que abandonaria a escola. As mulheres são fortes, sim… Mas o que vou fazer se, na vida, elas ainda são coadjuvantes?

    CLAUDIA: Por que os meninos da periferia, das favelas, não querem mais saber da escola?

    Geovani: O modelo de ensino está ultrapassado. Na minha infância já era muito velho. Nossa vida mudou. A percepção de ler e de reagir à leitura não passa pela sala de aula. Ficamos ali por obrigação. Eu questionava a função daquilo. Havia repetido dois anos e não seria aprovado na oitava série. Tinha certeza de que queria estudar história, entender geografia, chegar à literatura, e não seria ali, preso naquele tédio da escola, que iria aprender. Saí fora, comecei a ler. Desmontava os parágrafos que me emocionavam, tentava ver como aquelas palavras me comoviam tanto.

    CLAUDIA: O que leu primeiro?

    Geovani: Uma caixa de livros de Machado de Assis que minha irmã ganhou certa vez de presente e não tinha tempo de folhear.

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    CLAUDIA: Quanto ganhou de adiantamento para fazer o livro?

    Geovani: Passei o ano inteiro de 2016 escrevendo. No verão de 2017, guardei na gaveta e fui trabalhar na praia. Terminadas as “férias”, voltei ao livro. Assinei o contrato duas semanas depois de Prata ler e me apresentar a Ricardo (Teperman, editor), em julho. Recebi 4 mil reais para viver até o livro sair. E uns 5 mil no lançamento. Coisa rara. Escritores não contam com isso.

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    CLAUDIA: É raro também um livro virar filme assim, de cara. A que atribui isso? Vai interferir no roteiro?

    Geovani: Acredito que o livro tem sua força na linguagem. Ricardo sugeriu que eu cortasse um parágrafo do conto Espiral e acho que ficou melhor. Mas outras vezes ele apontava palavras que considerava deslocadas e queria tirar. Eu batia o pé. A palavra é uma coisa que a gente não pode prever. Pode parecer estranha, fora de contexto, mas quem a fala não vê assim. A coisa muito limpa, pura e canônica não funciona. Passa a fazer sentido se vier mesclada com gírias e expressões que são de propriedade dos personagens. Não vou dar palpite no roteiro do filme. Mas fiquei feliz quando soube que Karim Aïnouz (de Madame Satã e Praia do Futuro) pode dirigir. Gosto da obra dele.

    CLAUDIA: Do que o seu romance falará?

    Geovani: Estou trabalhando com calma. Quero trocar ideias com o editor. O primeiro foi um processo solitário. O romance se passa entre 2011 e 2013, na Rocinha, período de instalação da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). Vai falar de como a vida das pessoas se transforma sob aquela tensão.

     

     

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