Duas vezes por semana, a fotógrafa Sandra Reis abre as portas do estúdio que tem em sua casa, na Zona Norte de São Paulo, para receber crianças, jovens e adultos e ensinar fotografia. Ali, funciona há cinco anos o projeto Galera do Click, onde além da paixão pelos “cliques”, os alunos compartilham outra coisa em comum: um cromossomo 21 a mais que a maioria da população. Todos têm Síndrome de Down.
Sandra é mãe de Felippe, um jovem de 25 anos, que também tem Down. Quando criança, ele a acompanhava nos espetáculos de dança que ela costumava fotografar. Para distrai-lo, emprestava câmeras e começou a ensinar algumas técnicas. Percebeu surpresa, que o menino levava muito jeito e passou a estimular seu talento. E logo viu ali, um caminho para proporcionar uma inclusão mais efetiva.
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“Felippe sempre esteve inserido em todos os nossos círculos e foi tratado da mesma forma que meus outros dois outros filhos. Frequentava escola, é o primeiro judoca brasileiro faixa preta com deficiência intelectual e participa inclusive de campeonatos internacionais. Mas a partir de uma certa idade, passou a sentir falta de outras coisas como namorar, estar entre seus iguais, se sentir mais pertencido”, explica.
A turma inaugural do Galera do Click foi formada em 2013, por 20 alunos, que aprenderam técnicas de enquadramento, iluminação e foco. Para praticar, atuaram como fotógrafos e modelos na concepção do calendário “O que é especial merece ser fotografado”, com direito a lançamento e tarde de autógrafos. Formou-se uma grande comunidade. Nasceram amizades, começaram namoros, vieram programações paralelas e, no caso de alguns alunos, mais que hobby, a fotografia virou oportunidade de trabalho.
Falta de recurso ameaça futuro
Não à toa, em pouco mais de quatro anos, o projeto quadruplicou de tamanho. E há cerca de dois anos, Sandra resolveu convertê-lo em ONG para facilitar a captação de recursos. “Trabalhamos aqui com poucos equipamentos e os alunos colaboram com um valor simbólico, que cobre basicamente despesas com limpeza do estúdio e manutenção das câmeras”, explica ela, que para manter a iniciativa em funcionamento, ainda promove bazares e eventos beneficentes. O espaço, porém, começou a ficar pequeno. E a falta de recursos ameaça seu futuro.
Para tentar manter a Galera do Click, a fotógrafa tem apostado na colaboração de voluntários que chegam a ela não apenas por solidariedade ao projeto, mas em busca de inclusão real e acolhimento, pais ou cuidadores que querem oferecer mais que as terapias necessárias ao desenvolvimento dos filhos. Como é o caso da diretora de fotografia Mariana Vieira Elek Machado, mãe de Elena, de 2 anos e meio, e Ulisses, de um ano e dois meses, que tem síndrome de Down.
“Soube do projeto por meio de uma amiga, logo que meu filho nasceu. Mas quando conheci pessoalmente, há algumas semanas, fiquei emocionada. Mais que um novo caminho, o projeto da Sandra é uma luz. É uma experiência real que mostra que para aprender, essas pessoas, crianças ou adultos, só precisam de espaço e oportunidade”.
Para apoiar o trabalho da ONG, Mariana desenvolveu um vídeo de divulgação. E passou a acionar sua rede de amigos e a do marido, Cassiano Elek Machado.
Dia internacional chama atenção para síndrome
Em virtude de a síndrome ser causada por uma falha no processo de divisão celular do embrião, que em vez de se dividir e formar um par, traz três cromossomos “21” em pessoas que têm Down, o dia 21 de março foi estabelecido como dia internacional da causa em 2006. A ideia partiu da organização Down Syndrome International com a finalidade de dar visibilidade ao tema e reduzir preconceitos e a disseminação de informações incorretas. Algo extremamente necessário, no cenário de insensibilidade e intolerância com o “diferente” em que vivemos atualmente.