De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, órgão ligado ao Ministério da Justiça, o Brasil tem aproximadamente 37 mil mulheres em situação de cárcere, habitando 103 estabelecimentos penais exclusivamente femininos e 239 mistos (que abrigam homens e mulheres). Os dados oficiais apontam para um crescimento acelerado do número de mulheres presas: mais de 500% em 15 anos, ainda de acordo com o Infopen.
O relatório do Infopen também demonstra que a maior parte das custodiadas brasileiras cometeram crimes de baixa periculosidade e baixo nível de complexidade. Os maiores índices despontam em tráfico de drogas (68%), furto (9%) e roubo (8%). Homicídio e latrocínio, que é o roubo seguido de morte, aparecem com 7% e 2%, respectivamente.
Quando estão privadas de liberdade, lhes são negados os direitos básicos: a comida é ruim e, muitas vezes, chega estragada; o kit de higiene (contendo uma pedra de sabão, um rolo de papel higiênico e um pacote de absorvente) só é distribuído a cada dois ou três meses. As dependências são insalubres – e formam um campo de proliferação de doenças, que vão de micose à tuberculose.
Algumas trabalham na cozinha, outras na faxina. Educação é palavra que não se ouve. Alguns Estados nem sequer contam com mulheres em atividades laborais ou de capacitação, como é o caso do Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Sergipe. Ou simplesmente não reportam este número, como em São Paulo.
Esses são fortes indícios de um Estado punitivista, em que castigar é mais importante do que reabilitar. “O Brasil segue firme na estratégia de combate à criminalidade prioritariamente por meio da persecução penal e, em especial, do uso do cárcere como pena”, dizem o Promotor de Justiça Tiago Joffily, do Rio de Janeiro, e Airton Gomes Braga, assessor de promotoria no MPRJ, entrevistados em fevereiro por CLAUDIA. Não à toa, figuramos em quarto lugar a lista de nações que mais prendem no mundo.
“O Estado só dá a sentença”
Enquanto estão encarceradas, essas pessoas ficam sob tutela do Estado, mas, e quando elas saem? Ao voltar à vida em liberdade, tendo de novo contato com o mundo exterior, elas devem recomeçar. De onde? Por onde? Com a ajuda de quem? Com a ajuda de alguém?
“Ao privar uma mulher da liberdade, todos seus vínculos são quebrados. Ao seu histórico, é adicionado o antecedente criminal, o que vai limitar a inserção no mercado de trabalho formal. São muitas consequências – atingindo cada vez um número maior de pessoas. E essas rupturas devem ser reparadas”, afirma Braga.
A Lei de Execução Penal é categórica em seu segundo capítulo ao prever a assistência a presos e egressos. O artigo 10 diz que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado” e seu objetivo, segundo o decreto, é “prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em liberdade”. Em parágrafo único, logo em seguida, o texto é bastante objetivo: a assistência estende-se ao egresso. Ou seja, o dever do Estado não acaba quando essas pessoas ultrapassam os muros da prisão.
No artigo 26, por sua vez, fica definido quem deve ser considerado “egresso” do sistema penal. Segundo a legislação vigente atualmente no Brasil, são egressos os liberados definitivos, ou seja, pessoas que cumpriram completamente a pena determinada pela justiça, e liberados condicionais, sentenciados que cumprem pena alternativa em liberdade.
Se a lei define quem são essas pessoas, ela também serve para ditar quais são os deveres do poder público com relação a elas. Então, é no artigo 25 da LEP que são definidas as responsabilidades dele, deixando claro que o deve amparar o egresso promovendo orientação e apoio no processo de integração à vida em liberdade.
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“Os diretores penitenciários precisam ser verdadeiros mágicos, extremamente competentes para conseguir trabalhar”, afirma Adriana de Mello Nunes Martorelli em seu escritório na SAP – Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, onde também se encontram as outras coordenadorias, como a da Saúde e a de Reintegração Social e Cidadania.
Martorelli é vice-presidente do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo e presidente da Comissão Especial de Política Criminal e Penitenciária. A função do Conselho é fiscalizar as execuções penais e supervisionar a assistência aos egressos. A equipe é composta por apenas 30 membros, entre psiquiatras, psicólogos, advogados e outros profissionais.
O trabalho consiste em visitar unidades prisionais e realizar pesquisas e relatórios. A única ação realmente prática do Conselho é supervisionar os egressos em condicional que devem “assinar a carteirinha” periodicamente.
Segundo ela, a verba concedida mensalmente não abarca a quantidade real de presos por unidade – que, em sua maioria, supera a capacidade. A própria estrutura da SAP dificulta o processo, pois funciona de maneira vertical e não horizontal.
“Cada coordenadoria cuida de suas funções sem pensar nas outras, por isso que um preso que entra em contato com uma coordenadoria aqui, não sabe que existe outra alí”, explica-se Adriana, quando confrontada sobre a falta de informações relatada pelas egressas.
CLAUDIA preparou uma série sobre a vida das mulheres egressas do cárcere, que enfrentam os traumas de um sistema penitenciário doente e os desafios de se integrar à sociedade. Ela será dividida em capítulos: cinco personagens que delineam as fragilidades do Estado em lidar com o crime, com a lei e com as pessoas.
*Com informações do Infopen (2014) e Ministério da Justiça (2013).