Abril de 2016. Eu desembarcava na principal estação de trem de Tóquio, depois de vinte e quatro horas de voo, ainda custando a acreditar que estava no Japão. Como o sinal de wi-fi não estava bom, não consegui acessar o Google Maps, como eu tinha planejado, e me perdi completamente em meio às 14 plataformas e mais de 10 portas de saída. Pois bem. Fiquei alguns instantes parada, com cara de boba, tentando entender as placas, e então uma japonesa de uns vinte anos perguntou se eu precisava de ajuda. Mostrei a ela o nome do meu hotel.
E então essa japonesa subiu comigo alguns lances de escada rolante, entrou no trem comigo, fez uma baldeação, entrou no outro trem comigo, saiu da estação, andou algumas quadras e me deixou na porta do meu hotel. Tudo com muito sorriso e poucas palavras, já que ela não falava muito bem inglês.
Aquela boa vontade me surpreendeu e foi a primeira coisa que comentei com um amigo, mais tarde, pelo WhatsApp, deitada na cama do hotel:
– Que generosa essa menina, não?
– Que mané, você quer dizer, né? – ele respondeu prontamente. – Até parece que eu ia interromper meu caminho para ajudar um desconhecido! Você que se vire com seu celular ou perguntando pra algum funcionário do metrô.
– Gente, mas ela foi tão fofa comig…
– Ela foi uma otária, isso sim… Ou, no mínimo, uma esquisitona.
Uau. Então é isso? Em tempos de egoísmo, ser generoso é ser bobo?
Talvez você concorde com meu amigo e ache que fui meio boba na minha interpretação, ou talvez ache que meu amigo que foi meio cínico/amargo, ou talvez que a menina seja esquisitona e generosa. Mas o ponto é que, nas semanas seguintes, fiquei pensando muito sobre essa interpretação dele.
Em uma cultura pautada pelo individualismo, servir, doar, fazer algo pelo outro sem esperar nada em troca pode não pegar bem. Ou a pessoa que faz isso é esquisita (“O que será que ela está querendo, hein?”), ou é uma boba, sem personalidade. Sob essa ótica, a pessoa que ajuda a outra estaria sendo submissa, estaria se anulando. O legal não é fazer café para alguém, é alguém fazer café para a gente.
Como eu me sinto quando ajudo outra pessoa? Generosa ou me anulando? Será que tanto altruísmo assim pressupõe certa anulação? E, se sim, qual é o problema de se anular por alguns instantes, para que, naquele momento, as necessidades de um outro estejam em primeiro plano, e não as nossas? As nossas necessidades, o nosso caminho, precisam estar sempre em primeiro plano?
Segui alguns dias pensando nisso, até que:
– Generosidade não tem nada a ver com anulação – opinou uma amiga. – Pelo contrário: as pessoas generosas têm tanta plenitude que sobra um pouco para doar para os outros.
Uau parte dois.
Uma leitura bem generosa da generosidade. Gostei. E faz todo o sentido. Percebo que, quando estou nos meus melhores dias, me sentindo bem, serena, grata, é quando sou mais generosa.
Como é para você?