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Em tempos de egoísmo, ser generoso é ser bobo?

O legal não é fazer café para alguém, é alguém fazer café para a gente? Nossa editora Liliane Prata fala sobre generosidade em tempos de individualismo

Por Liliane Prata
Atualizado em 22 out 2016, 21h41 - Publicado em 1 set 2016, 16h56
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  • Abril de 2016. Eu desembarcava na principal estação de trem de Tóquio, depois de vinte e quatro horas de voo, ainda custando a acreditar que estava no Japão. Como o sinal de wi-fi não estava bom, não consegui acessar o Google Maps, como eu tinha planejado, e me perdi completamente em meio às 14 plataformas e mais de 10 portas de saída. Pois bem. Fiquei alguns instantes parada, com cara de boba, tentando entender as placas, e então uma japonesa de uns vinte anos perguntou se eu precisava de ajuda. Mostrei a ela o nome do meu hotel.

    E então essa japonesa subiu comigo alguns lances de escada rolante, entrou no trem comigo, fez uma baldeação, entrou no outro trem comigo, saiu da estação, andou algumas quadras e me deixou na porta do meu hotel. Tudo com muito sorriso e poucas palavras, já que ela não falava muito bem inglês.
     
    Aquela boa vontade me surpreendeu e foi a primeira coisa que comentei com um amigo, mais tarde, pelo WhatsApp, deitada na cama do hotel:

    – Que generosa essa menina, não?
    – Que mané, você quer dizer, né? – ele respondeu prontamente. – Até parece que eu ia interromper meu caminho para ajudar um desconhecido! Você que se vire com seu celular ou perguntando pra algum funcionário do metrô.
    – Gente, mas ela foi tão fofa comig…
    – Ela foi uma otária, isso sim… Ou, no mínimo, uma esquisitona.

    Uau. Então é isso? Em tempos de egoísmo, ser generoso é ser bobo?

    Talvez você concorde com meu amigo e ache que fui meio boba na minha interpretação, ou talvez ache que meu amigo que foi meio cínico/amargo, ou talvez que a menina seja esquisitona e generosa. Mas o ponto é que, nas semanas seguintes, fiquei pensando muito sobre essa interpretação dele.

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    Em uma cultura pautada pelo individualismo, servir, doar, fazer algo pelo outro sem esperar nada em troca pode não pegar bem. Ou a pessoa que faz isso é esquisita (“O que será que ela está querendo, hein?”), ou é uma boba, sem personalidade. Sob essa ótica, a pessoa que ajuda a outra estaria sendo submissa, estaria se anulando. O legal não é fazer café para alguém, é alguém fazer café para a gente.

    Como eu me sinto quando ajudo outra pessoa? Generosa ou me anulando? Será que tanto altruísmo assim pressupõe certa anulação? E, se sim, qual é o problema de se anular por alguns instantes, para que, naquele momento, as necessidades de um outro estejam em primeiro plano, e não as nossas? As nossas necessidades, o nosso caminho, precisam estar sempre em primeiro plano?

    Segui alguns dias pensando nisso, até que:

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    – Generosidade não tem nada a ver com anulação – opinou uma amiga. – Pelo contrário: as pessoas generosas têm tanta plenitude que sobra um pouco para doar para os outros.

    Uau parte dois.

    Uma leitura bem generosa da generosidade. Gostei. E faz todo o sentido. Percebo que, quando estou nos meus melhores dias, me sentindo bem, serena, grata, é quando sou mais generosa.

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    Como é para você?

    Liliane Prata é editora de CLAUDIA e escreve aqui no site semanalmente. Para falar com ela, clique aqui
     

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