Marcela Temer usa um vestido branco no Desfile da Independência, em Brasília. Na internet, vários veículos postam artigos sobre o vestido. O vestido se esgota nas lojas. Muita gente fica indignada com o fato de se dar tanta importância a um vestido. Muita gente fica indignada com essa indignação. Enfim, o vestido vira o assunto do dia. De mais um dia na internet.
Costumo adotar a seguinte lógica: se não gosto do texto ou do assunto, não falo nada sobre ele, não curto, não compartilho. Hoje, por exemplo, li um texto tenebroso sobre o vestido (vou seguir minha lógica e não linkar o texto, mas vocês podem imaginar qual). Nem sempre faço isso, mas penso que seria incrível se a gente parasse de dar voz a opiniões preconceituosas, comentários machistas, tudo isso. Aliás, incrível, mesmo, seria se a gente não se interessasse por assuntos que não interessam, né? Mas eles estão ali, à distância de um clique.
Além disso, se a internet é um espaço de discussão, ora (de ódio, de exibicionismo, de cultura, de conveniências modernas, de compras, de vaidade, de várias outras coisas, mas também de discussão, ufa)… Como deixar de opinar sobre aquilo que nos revolta? Como deixar de usar textos “errados” como dispositivo para falar do que consideramos “certo”? Como fugir do que está na ordem do dia? E dá-lhe notícia, post e comentário ampliando ainda mais o alcance de textos e abordagens revoltantes, tristes, dando ainda mais voz a pessoas que usaram sua voz para propagar desrespeito, preconceito, machismo, pensamentos ultrapassados.
“Pensamentos ultrapassados segundo você, né, Liliane”, alguém pode me falar. Claro, claro, entendi o recado desse meu contestador hipotético. Tudo são opiniões, todos podem falar, viva a democracia, viva o relativismo: se não é crime, que falemos! Fora Temer ou bora Temer, Corinthians ou Palmeiras, feminismo ou patriarcado, cabelo natural ou com cachos, a apresentadora estava certa ou errada, o apresentador tem razão ou falou besteira, o cara devia ou não ser convidado para falar com o ministro da educação, as escolas deviam ser com partido ou sem partido… Sobram palavras, resta muita bagunça, muita velocidade, pouco tempo para pensar, poucas certezas, pouquíssimas verdades – alguma, na verdade?
Se a gente faz muita questão de que pensem como nós, o risco de cairmos em um discurso autoritário é grande. Detestamos o ponto de vista sem noção dos “outros”, mas, ao mesmo tempo, sabemos que somos “os outros” dos “outros”. É tipo saber que vamos morrer: não lidamos muito bem com isso. Se para a morte não tem solução, para o estresse com as opiniões que nos irritam no nosso feed tem: a saída que muita gente encontra, afinal, é excluir todo mundo que pensa diferente e ficar com um feed pautado menos pela discussão e mais pela concordância. O mundo que seja relativista lá fora, mas no meu feed eu estou absolutamente certo.
Se, pelo contrário, a gente abraça amigos de várias turmas, aí é uma maravilha, é o certo a fazer, é o mais democrático e… Não, espera, a verdade é que aí vai sobrar estresse e faltar estômago e tempo: quanta dor de cabeça que pode custar uma amizade, quanta informação nova que chega para desmontar o argumento que a gente tinha na manga e que tinha certeza de que era arrasador, quanto tempo a gente perde nestas tais redes sociais, quanto tempo, meu Deus, quanto tempo. Não foi à toa que resolvi recentemente fazer um detox de redes sociais – para repensar o uso que faço delas. Voltei meio com um pé dentro, um pé fora, sei lá… Diminuí o uso, mas não sei se repensei muito, não.
O que sei, sinceramente, é que não marquei hoje uma consulta que precisava marcar. Em compensação, decorei que o vestido usado pela Marcela Temer custou 618 reais. Ô tristeza!