“Resgatar os valores de viver em comunidade, exercitar a tolerância e, em grupo, construir um futuro positivo e sustentável”. Para Isabela Menezes, articuladora da rede nacional, esta frase é a que melhor sintetiza a missão e os objetivos do movimento Transition Towns (Cidades em Transição), que busca levar educação ambiental e transformar cidades e bairros em locais mais ecologicamente corretos e independentes. A iniciativa completou 10 anos no Brasil, mas cresce cada vez mais, especialmente agora em tempos de crise.
O Transition Towns foi criado pelo professor Rob Hopkins em 2004, na Inglaterra. Surgiu com o objetivo de transformar cidades em ambientes mais resilientes, menos dependentes de combustíveis fósseis e integradas à natureza. Hoje, existem mais de 500 iniciativas ao redor do mundo, em mais de 50 países. Cada uma das comunidades que recebe o Transitions recebe um treinamento que ensina os pilares do movimento e ajuda a capacitar as pessoas dessa comunidade a se articularem melhor e ajudar na criação dos projetos para o meio ambiente e a sociedade.
Mudanças no Brasil
Um dos grandes diferenciais do Transition Towns é que, apesar de seguirem a metodologia original em seus treinamentos, as individualidades de cada localização são sempre respeitadas. Cada um dos bairros e cidades têm suas prioridades e sua maneira de fazer acontecer. Em comum, estão os pilares de lutar por uma comunidade mais independente, o uso mais racional de energia e fortalecer a economia local.
Se, inicialmente, o manifesto do movimento envolvia uma resposta para uma crise econômica, problemas ambientais como o aquecimento global e a exploração combustíveis fósseis, desde que chegou no Brasil, o Cidades em Transição tornou-se um movimento de comunidades para repensar o mundo em que vivem e descobrir saídas para recriá-lo de maneira mais sustentável e positiva.
“Na minha visão, como o Brasil viveu anos em uma ditadura, em que até seu vizinho poderia ser uma ameaça, te denunciar, o povo se acostumou a não considerar tanto quem vive a sua volta. As pessoas sequer se conhecem, muitas vezes. Aqui, queremos resgatar esse senso de comunidade, unir as pessoas de um mesmo território para criar um grupo resiliente e forte. E não tem uma escala certa pra isso, pode ser em uma grande cidade ou até em um condomínio”, explica Isabela.
Atualmente, o Transition Towns está presente em muitas das regiões no Brasil. Começou por São Paulo e pelo Rio de Janeiro, mas agora já está em Brasília, Ribeirão Preto, Salvador, Manaus, Blumenau, Balneário Camboriú, entre outras. Aqui, você encontra a lista completa de localidades. Nas cidades maiores, como é o caso do Rio e de SP, em geral, as iniciativas estão divididas em bairros. Na capital paulista, existem comunidades em transição na Vila Mariana, Vila Leopoldina, Granja Viana e na Brasilândia (o primeiro bairro de baixa renda do mundo a receber a iniciativa). Já na capital fluminense, há movimentos na Barra da Tijuca, Santa Tereza e Laranjeiras.
Para conseguir comunidades mais conectadas com a natureza, os coletivos criam grupos de troca para diminuir o consumo, hortas comunitárias, oficinas para capacitar os moradores e incentivar a economia local, criam saídas para economizar energia e água e preservar o meio ambiente.
Brasilândia
Monica Picavêa foi uma das primeiras brasileiras a entrar em contato com o movimento. Quando o conheceu, ainda vivia na Inglaterra e fez de tudo para conseguir implantar as Cidades em Transição no Brasil. Porém, de uma maneira um pouco diferente do que era no exterior. Até então, os treinamentos do Transitions eram feitos em áreas de classe média e classe alta e Monica quis implementar as iniciativas na Brasilândia, bairro da Zona Norte de São Paulo com algumas comunidades carentes.
Como já fazia trabalhos sociais na região, a líder acreditava que o movimento se encaixaria muito bem ali. “No início fomos contra. Apesar de a Monica ser apaixonada por aquilo e ter histórico trabalhando com comunidades, nós não achávamos que daria certo, afinal isso nunca havia sido tentado e o material era todo em inglês. Ela tanto insistiu que resolvemos tentar e, até hoje, a Brasilândia é uma das nossas comunidades mais engajadas e com mais resultados”, conta Isabela.
Segundo a articuladora, foi nesse bairro que o Transition Towns percebeu que, para o movimento dar certo, não importa a classe, mas sim o quanto a comunidade se une. Por muito tempo eles ajudaram nas reuniões e iniciativas, mas hoje a Brasilândia anda praticamente sozinha, ainda praticando o que aprenderam nos treinamentos. “Percebemos que nas comunidades, o povo é muito mais unido, o que é essencial para o movimento de transição. Acredito que nós aprendemos muito mais com eles do que eles com a gente, já havia uma boa articulação”, explica.
Atualmente, além de projetos de preservação ambiental na região, como no Parque da Cantareira, a Brasilândia conta com hortas urbanas, feiras de troca entre os moradores e, especialmente, iniciativas que buscam capacitar grupos minoritários e estimular a economia e fomentar a renda local. Existem grupos que envolvem especialmente mulheres, como As Brasilianas, grupo de mulheres que utiliza toldos e caixa de tetra pak para produzir bolsas, aventais e cases de computador, e o Doce Talentos, uma padaria comunitária.
A transição também trouxe mais atenção dos órgãos públicos para a região e, com isso, o bairro conseguiu mudanças básicas e necessárias, como a pavimentação de algumas ruas. “O movimento internacional começou um projeto chamado Municipalidades em Transição, que, aqui no Brasil, começou na Vila Mariana. Eles estão desenvolvendo uma ferramenta de conversa entre sociedade civil e as municipalidades, porque não dá pra recriar sem envolver o poder público. É um projeto que busca tornar a comunicação mais clara e efetiva”, diz Isabela.
Readequações em tempo de pandemia
Com as orientações de distanciamento social, algumas coisas tiveram que mudar no trabalho das Cidades em Transição. Os encontros e reuniões, feitos com frequência e sempre pessoalmente, agora tornaram-se online, como em grande parte dos trabalhos e organizações do mundo. Isabela conta que, agora, conseguem se reunir até com as comunidades de outros países. Outras iniciativas, como feiras de produtos orgânicos, feiras de troca, também foram suspensas por enquanto. Alguns grupos também investem na doação de máscaras. “Vamos nos adequando como dá. Alguns dos produtores estão fazendo delivery agora aqui na Granja Viana e vendendo até mais”, afirma.
Outro ponto importante que passou a ser abordado desde o início da pandemia é a saúde mental. A transição interna tornou-se ainda mais importante agora, com as grandes mudanças nas rotinas, causando estresse e ansiedade. “Estamos trabalhando muito a escuta. Fazemos encontros globais online para trocar experiências e expor como cada um está lidando com esse momento. Estamos preparando um especial só para o Brasil também”.
Todas as celebrações marcadas para o Dia da Terra, que envolveriam contato com o meio ambiente e plantios, foram transferidas para o fim do ano.
Criação de laços
Para Isabela, os ganhos do movimento no Brasil vão muito além de apenas criar maneiras de diminuir impactos na natureza e criar sociedades mais sustentáveis. O principal ganho é, na verdade, o resgate do trabalho em conjunto, de uma visão positiva do mundo. “Aqui, muita gente tem resistência a trabalhar em grupo, sequer conhece os vizinhos. O Transition Towns resgata essa alegria que é se conectar com as pessoas, ajuda a se tornar uma pessoa mais tolerante, aceitar diversidade e entender que opiniões contrárias a sua podem ser enriquecedoras”, afirma.
Além dos treinamento, a metodologia do Transition Towns está disponível na internet e é aberta para quem quiser reproduzi-la no seu bairro, condomínio ou prédio. O manual está disponível aqui.