As neuroses dos outros
Para nossa editora Liliane Prata, muitas vezes menosprezamos o que é ridículo nas pessoas e nos esquecemos do que é ridículo em nós mesmos
Uma amiga estava toda animada para viajar com o marido e os dois filhos. Na data em que ela já deveria estar no Rio de Janeiro, porém, me surpreendi com um post dela passeando com a família na cidade natal, no interior de São Paulo. Perguntei por que não tinham viajado e ela:
– Não tinha tela nas janelas do hotel.
– Como assim? – perguntei.
– A gente não se hospeda em quarto alto sem tela de proteção ou grade, é muito perigoso. Procuramos um apartamento no térreo, mas não achamos nenhum, estavam todos ocupados…
Eu não queria me meter, mas sempre viajei com a minha filha sem perguntar antes se os quartos tinham tela. Achei aquela preocupação superexagerada. Então, não resisti e falei:
– Tranca as janelas! Ou, melhor, ensina para os dois que lugar alto é perigoso.
– Não adianta, a gente não ia conseguir curtir o lugar sabendo que eles poderiam cair. E eles são beem sapecas, sabe?
– Meu Deus, como é que vocês fazem quando visitam amigos que não têm tela nas janelas?
– Ah, mas visitar é uma coisa, passar dias é outra…
– Gente… Não conhecia esse seu lado neurótica…
– Ai, me deixa!
Deixei, já arrependida por ter me metido no modo como minha amiga e o marido educam os filhos deles. Mais tarde, pedi desculpas a ela por ter sido tão entrona. Mas pedi desculpa só pela minha atitude enxerida – a minha opinião continuava a mesma, achando aquele cuidado todo meio neurótico. Porém, no mesmo dia, à noite, admiti para mim mesma que, tudo bem, eu não tinha essa neurose – mas tinha outras. E que, claro, as neuroses dos outros são sempre mais bobas e risíveis do que as nossas. Afinal, eles são os outros, certo? Estão sempre metendo os pés pelas mãos, ao contrário de nós, que podemos até cometer erros, mas sabemos o que estamos fazendo.
Tsc, tsc. Quanta pretensão.
Há alguns anos, li um artigo de uma educadora sobre crianças que, aos seis anos, tinham a noção de perigo de crianças de dois anos de idade – tudo porque foram criadas com as quinas protegidas, o piso encarpetado, as janelas inofensivas. Essas crianças, uma vez fora do ambiente seguro da casa delas, não sabiam se proteger. Quando minha filha era bem novinha, ensinei a ela que, se caísse de um lugar alto, poderia morrer ou ficar machucada para sempre. Ela entendeu. Na minha opinião, tratei o perigo de lugares altos de forma sensata – não sei se isso funciona com todas as crianças, mas funcionou lá em casa.
Mas e quanto às minhas outras neuroses?
Quando eu amamentava, tinha pânico de deixar minha bebê sozinha com outras mulheres – meu medo maluco era que outras, que nem leite tinham, dessem o peito para ela. Provavelmente, essa minha amiga iria gargalhar se eu tivesse contado isso a ela.
Fora da esfera da maternidade, já nutri diferentes preocupações exageradas e meio sem sentido – quando criança, já tive pavor de lagartas; mais velha, era hipocondríaca (confesso que melhorei bastante, mas ainda sou um pouco); já deixei de comprar a passagem de ônibus no horário em que eu queria porque minha cabeça maluca cismou que aquele ônibus iria bater em outro na rodovia (adivinhem: depois fiquei sabendo que não bateu).
O medo da minha amiga era meio ridículo para mim, assim como muitos dos medos que já experimentei seriam considerados ridículos pelos outros. Não chego ao relativismo extremo de achar que todo mundo é corajoso ou medroso na mesma medida – cada pessoa é única. Mas acho bonito quando nos lembramos dos nossos medos, atuais ou passados, e respeitamos as loucuras dos outros. Nenhum sentimento humano nos é estranho: afinal, temos todos os sentimentos aqui dentro, em diferente proporção, mas temos, certo?
Alguém aí está sofrendo com uma questão que já tivemos e já superamos. Alguém está chorando por algo que não nos faz mais chorar. Alguém não aprendeu o que já aprendemos. Assim como alguém pode nunca ter experimentado uma limitação que é tão difícil para nós.
As neuroses são exageradas, distorcem a realidade, aumentam os perigos e, principalmente, nos dão a ilusão de controlar a realidade, quando, no fundo, todos sabemos: podemos sempre ser ajuizados e minimizar os riscos, mas, mesmo assim, viver vai continuar sendo algo perigoso e imprevisível. Toda neurose tem um quê de risível, de boba, irracional, exagerada – como todos nós somos às vezes.
Liliane Prata é editora de CLAUDIA e escreve esta coluna toda quarta-feira. Para falar com ela, clique aqui!