O Amapá completou quatro dias de apagão em 13 dos 16 municípios do estado, nesta sexta-feira (6). Cerca de 765 mil pessoas, o que corresponde a 90% da população do estado, estão sem energia elétrica e água encanada, além de pouco acesso à internet ou ao sinal telefônico. Ontem (5), foi decretado estado de calamidade pública na capital por 30 dias.
Na noite de terça (3), uma explosão seguida de incêndio atingiu um transformador de uma subestação de energia de Macapá, segundo informações do Ministério de Minas e Energia. O fogo atingiu também outro transformador e causou o desligamento automático de linhas de transmissão da região.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) abriu uma investigação para apurar as causas da explosão, porém, como era uma noite chuvosa em Macapá, acredita-se que a causa possa ter sido um raio que atingiu a subestação. Hotéis da capital, que têm geradores, estão com lotação completa. Os moradores que tiveram condições, deixaram suas casas para passar as noites nos estabelecimentos.
A crise também está gerando incerteza sobre a viabilidade das eleições municipais, que acontecem na próxima semana. Porém, segundo o Tribunal Regional Eleitoral do Amapá, por enquanto, a votação está mantida, já que o plano é que o fornecimento de energia comece a voltar nos próximos dias.
Em meio a uma explosão nos casos de Covid-19 – que chegaram a 53 751 mortes no estado –, os hospitais do Amapá são alguns dos poucos estabelecimentos que estão funcionando com geradores e devem ter prioridade na retomada da energia. Ainda assim, as unidades de saúde sofrem para conseguir atender a todos que precisam e realizar procedimentos de urgência.
Ediane Andrade é enfermeira obstetra e atua no centro de parto normal do Hospital da Mulher Mãe Luzia, única maternidade pública do estado, além de acompanhar gestantes em outras duas instituições privadas como assessora materna, neonatal e de aleitamento. Nos últimos dias, devido ao apagão, perdeu o contato com várias pacientes que atendia. O hospital público em que ela é plantonista chegou a ficar sem energia. Os partos que aconteciam naquele momento foram feitos com auxílio das lanternas de celulares dos profissionais.
Em entrevista a CLAUDIA, Ediane compartilha como está sendo a rotina de quem vive na capital do Amapá e como os profissionais de saúde tentam contornar a situação.
“Aqui no Amapá é comum ter quedas de energia, já estamos acostumados. Porém, quando acontece, o governo costuma avisar antes e tudo volta ao normal rápido. Desta vez, claro, foi diferente, o apagão pegou todo mundo de surpresa. Na noite de terça-feira, choveu muito em Macapá; foi uma noite inteira de trovões e raios. Todo mundo pensava que ia acabar o mundo, por isso acho que foi um raio que causou o apagão. O tempo estava tão feio que no dia seguinte, até 10 horas da manhã, ainda estava escuro. Eu me preparava para atender uma paciente em casa. Quando estava perto do local, acabou a luz, o que não me abalou, porque achei que era só mais um apagão rápido.
O que vivemos hoje só tumultuou mais ainda a situação que já estava difícil devido à pandemia de Covid-19. Aqui na capital nós temos uma maternidade pública, o Hospital da Mulher Mãe Luzia, em que eu sou locada, e duas maternidades privadas. A pandemia restringiu o acesso de acompanhantes por conta dos elevados índices de infectados e a falta de energia piorou isso, porque agora nem a comunicação é possível.
Na Mãe Luzia, as luzes apagaram e ficamos completamente no escuro até o gerador começar a funcionar. O que fazer se há um bebê nascendo naquela hora? Tivemos que ligar as lanternas dos celulares e manter assim.
Até onde sabemos, houve uma força tarefa da Secretaria de Saúde do estado para garantir o abastecimento dos geradores dos hospitais, especialmente nos hospitais com UTI. O centro cirúrgico está sendo priorizado apenas para as cesarianas e procedimentos de urgência. Estamos sempre apagando as luzes para evitar gastar o combustível à toa. Se faltar combustível aqui, o que nós vamos fazer? Às vezes precisa trocar o óleo e ficamos alguns minutos sem energia, mas depois volta.
Apesar de os hospitais estarem sendo priorizados, o acesso e o contato está muito complicado. Os poucos postos de gasolina que têm geradores estão com filas de três a cinco quilômetros de carros para abastecer. Para piorar, está muito sol e muito calor. Há mulheres grávidas de 36 semanas, oito meses, que perderam completamente o contato com a equipe médica. Vou todos os dias na casa de duas pacientes para ver como elas estão, já que elas não conseguem me dar notícias por telefone. Poucas operadoras estão funcionando aqui, eu tive que comprar um chip novo para tentar me comunicar.
Por enquanto está dando para controlar, mas se a resolução não chegar logo, não sei o que pode acontecer. A rede de saúde materna e infantil, que envolve estado e municípios, está ameaçada. Se as mulheres grávidas não tiverem acesso ao pré-natal, a quantidade delas que pode chegar a enfrentar complicações ou entrar em estado grave no parto será bem maior. É uma bola de neve. Isso tem que se resolver o mais breve possível, porque nós não temos o que fazer. Estamos tentando controlar como dá.
Além de tudo, para piorar, estamos lidando com internações por Covid-19 e alguns hospitais estão lotados. Na maternidade, foi criada uma unidade só para os casos e suspeitas de novo coronavírus. Dá muito medo porque, apesar de estarmos acostumados com a falta de luz rápida e sabermos como controlar bebês e pessoas que estão na UTI em cinco minutos sem energia, como fazer se acontecer alguma coisa com os geradores? Controlar os aparelhos pela bateria por poucos minutos é tranquilo, mas e se a bateria acabar? Vamos ter que usar as mãos?
Ontem já não tínhamos mais água para comprar e essa situação está trazendo muita angústia para nós. Há muitas pessoas ficando deprimidas e que não param de chorar, pensando que algo pior pode acontecer. Hoje mais cedo vi pessoas tirando água de um poço e levando baldes na cabeça porque não há água na tubulação. Um morador cedeu esse poço e várias pessoas estão usando para, pelo menos, ter água para tomar banho.
Frequento um supermercado com gerador e há filas enormes lá desde as 6 horas da manhã. Como a situação está ainda pior em bairros mais distantes, começou a ter saques nos mercados e muitas brigas para conseguir comprar o que para comer. As comidas que estão na minha casa estão prestes a estragar, então eu estou dando para algumas pessoas para não desperdiçar.
Uso a internet do hospital para dar esse relato porque a população daqui não tem ideia do que o Brasil sabe dessa situação. Não temos como guardar comida, porque não tem geladeira e não temos água. O Ministro de Minas e Energias esteve ontem aqui e deu três opções para a gente. Estão tentando consertar a parte que queimou da estação e em uma semana é possível que 60% da energia seja restabelecida. Outra opção é trazer um transformador de uma subestação que fica em Laranjal do Jari, no sul do estado. É uma estrutura enorme, deve levar 15 dias. Por fim, ele sugeriu trazer um equipamento de Roraima, mas até chegar aqui, de balsa, levaria de 15 a 30 dias.
Não sei o que mais o Governo Federal está fazendo para nos ajudar, porque talvez logo precisaremos de transporte aéreo para bebês ou pacientes graves. Temos uma demanda de crianças que estavam previstas para nascer, mas não conseguimos acompanhar porque não tem como ter contato. As mulheres podem chegar no hospital já em estado muito grave.
Estamos nos perguntando: será que, se isso tivesse acontecido em outro lugar do Brasil, a situação já teria se normalizado? O Amapá é um estado que muitos brasileiros nem lembram que existe ou mal sabem onde fica no mapa. Mas aqui vivem pessoas e nós estamos sofrendo pelo que está acontecendo e pelo o que ainda está por vir.
Como profissional de saúde há 20 anos, estou tentando acreditar que a solução chegará em breve e conseguiremos sair dessa com êxito. Contamos com todas as orações de todo o Brasil. Estamos sobrevivendo.”