Adapte-se ou morra
Nossa colunista Liliane Prata fala sobre resistir ou aceitar as mudanças inevitáveis da vida
“Não se leve tão a sério”, “Não guarde mágoas”, “Goste de quem gosta de você”: certos conselhos fazem parte do senso comum e a gente nem precisa ver estudos ou ouvir “a voz dos especialistas” para saber que fazem sentido. Isso não quer dizer que a gente sempre os pratique, claro. Nem que assimilamos os conselhos de verdade. Mas, quando a sugestão vem em forma de história, talvez fique mais fácil apreendê-la. Em vez de ouvir mais uma vez uma frase batida, vivenciamos o sofrimento dos personagens junto com eles, nos envolvemos com seus dramas e, no fim, podemos sair diferentes daquela experiência. Foi assim comigo quando vi o filme A Bela do Palco. O conselho embutido na história: “Não tenha medo da mudança”. Ou, de um jeito mais extremo: “Adapte-se ou morra”.
O filme se passa na Inglaterra do século 17, quando os papéis femininos no teatro eram interpretados por homens. Ned é um ator conhecido que, com perucas e vestidos, encanta plateias lotadas. Mas o rei Charles II, influenciado pela corte da França – cujo rei havia permitido recentemente que as mulheres interpretassem papéis femininos – resolve mudar as regras, decretando que as mulheres poderiam integrar as companhias teatrais. É um sonho realizado para Maria, camareira que sempre sonhou em atuar. E um pesadelo para Ned.
É interessante (e triste) acompanhar a fúria com que Ned luta contra a novidade. Não passa por sua cabeça começar a atuar em papéis masculinos, por exemplo. Ou mudar de área, quem sabe virar diretor, enfim, se reinventar de alguma maneira. Em vez disso, ele tenta a todo custo interromper o curso da mudança, se agarrando ao passado em vez de deixá-lo ir.
É uma situação familiar, tanto na nossa vida pessoal como nas empresas que, continuando a produzir mercadorias que se tornaram obsoletas, quebram – ou, em vez de quebrar, ficam cobrando ajuda do governo e a condescendência dos consumidores.
Também é algo facilmente visível quando o assunto são os preconceitos: ainda tem (muita) gente branca achando que o negro é inferior, homem se julgando melhor do que mulher. Quando eu tinha uns 14 anos, um dos meus melhores amigos deixou de atender meus telefonemas. Motivo: a mãe dele não queria que ele tivesse como amiga uma “filha de pais separados”. Isso em 1995, um tempo em que os divórcios já eram bem aceitos… Mas não por todos, claro.
Fico pensando: quantas vezes atrasamos a nossa vida – ou a nossa economia – ao insistimos em modelos que estão definhando e não nos servem mais? Quantos de nós agem como um castor solitário, construindo desesperadamente uma barragem em um rio caudaloso? Relacionamentos são arrastados em vez de reciclados ou encerrados, padrões de pensamento enferrujados não são substituídos, obstáculos que agora somos perfeitamente capazes de enxergar não são superados. Por medo, comodismo ou egoísmo, fazemos de tudo para nos manter em cima de trilhos de uma estação abandonada, que já não conta com nenhum trem.
Mudanças de rota podem ter dificuldades em seu caminho, mas são inevitáveis. Ou a gente as aceita, ou é atropelado por elas. “Tudo flui como um rio”, nos ensina Heráclito, pensador da Grécia Antiga. Mas também sabemos disso pelo senso comum. Por filmes como A Bela do Palco. Ou por meio de experiências difíceis na nossa vida – o jeito mais doloroso.
Liliane Prata é editora de CLAUDIA e escreve esta coluna aqui no site toda quarta-feira. Para falar com ela, clique aqui!