Grávida após um estupro, uma adolescente de 14 anos teve negado por uma juíza o direito ao procedimento de aborto legal. O caso, exposto pela agência Pública na última terça-feira (21), ocorreu em Belo Horizonte, Minas Gerais, cerca de três semanas após o episódio semelhante da menina de 10 anos, estuprada pelo tio no Espírito Santo, que também teve seu direito refutado.
De acordo com as fontes ouvidas pela Pública, a juíza que analisou o caso da mineira ainda teria compartilhado em um grupo de WhatsApp a sentença que negava o direito ao aborto para a adolescente, tornando o material de conhecimento público, ainda que sem consentimento.
A ação da juíza, que é considerada um crime, fez com que a vítima se tornasse alvo de retaliação e repreensão de grupos anti-aborto e de profissionais de assistência social do seu município, localizado a cerca de sete horas da capital mineira.
Negligência
A adolescente foi estuprada pelo ex-namorado, um homem de 21 anos, que a submeteu a duas relações sexuais sem consentimento em uma zona de mata.
No dia seguinte, queixando-se de dores, a jovem chegou a procurar assistência médica com a mãe, a quem contou tudo o que havia acontecido. No entanto, a junta médica não seguiu o protocolo para vítimas de violência sexual e nem forneceu orientações sobre o aborto legal.
Segundo uma norma técnica do Ministério da Saúde que trata do atendimento em casos de violência sexual, as vítimas devem ser acolhidas na unidade de saúde, passar por exames e receber medicamentos para evitar gravidez, HIV e infecções sexualmente transmissíveis.
Ainda é destacado no documento que é fundamental “respeitar a fala da vítima, auxiliando a expressar seus sentimentos, buscando a autoconfiança.”
Por conta da negligência no atendimento do hospital, que desacreditou no relato da vítima, alegando que ela não tinha marcas de violência pelo corpo e apresentava “fala incoerente e face risonha”, a jovem e sua mãe descobriram dois meses após a violência sexual que a menina estava grávida.
Direitos
Legal em casos de gravidez proveniente de um estupro, o aborto é um procedimento gratuito e direito das vítimas de violência sexual desde 1940.
No entanto, são diversos os casos em que as vítimas passam por constrangimentos ou têm o seu direito negado. No episódio em questão, a adolescente e a mãe só tiveram conhecimento do procedimento por meio da informação de um policial.
Mulheres gestantes que correm risco de vida ou que gerem um feto anencéfalo também possuem acesso ao procedimento garantido por lei.
A magistrada do caso fundamentou a sentença no direito do nascituro, usando o direito à vida estabelecido na Constituição Federal para argumentar que o direito de o feto viver se sobrepunha ao direito de bem-estar psicológico da adolescente.
Em uma ação conjunta, a advogada da vítima e o promotor do Ministério Público de sua cidade conseguiram unir informações para realizar o aborto com urgência.
Após isso, a adolescente foi transferida às escondidas a fim de evitar retaliações, para Belo Horizonte, onde teve a assistência necessária.
“Se o Ministério Público não tivesse intervindo de forma extrajudicial, Gabriela [como a menor foi apelidada na reportagem] ficaria à mercê da decisão judicial, que indicava que a menina seguisse com a gestação para doar o bebê à comarca”, registrou em reportagem à Pública.