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“A maternidade revolucionou minha militância”, conta Manuela d’Ávila

A gaúcha conta por que decidiu levar a filha durante a campanha presidencial e como o afeto é uma forma de subverter as estruturas do machismo

Por Isabella Marinelli Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 18 fev 2020, 10h01 - Publicado em 10 abr 2019, 18h52
 (Luis Maximiano/CLAUDIA)
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Parecia que seria interminável o período de campanha na eleição mais polarizada da história brasileira desde a redemocratização. Em 2018, Manuela d’Ávila, 37 anos, percorreu o país, de norte a sul, primeiro como candidata à Presidência pelo PCdoB e depois como vice-presidente da chapa com Fernando Haddad. A agenda insana do segundo turno precisava ainda dividir espaço com a digestão de uma montanha de notícias falsas que tentavam minar sua reputação.

O segredo para não enlouquecer em meio a tantas obrigações tem menos de 1 metro de altura e atende pelo nome de Laura. Aos 3 anos, a filha de Manuela com o músico Duca Leindecker, que já tinha Guilherme, 16 anos, foi quem manteve a gaúcha sã. “Tê-la comigo serviu como uma estratégia de autocuidado. Saí inteira de um processo exaustivo”, conta.

Os encontros oficiais, reuniões e visitas se misturaram ao desmame e desfralde da pequena. Tantas histórias e aprendizados estão registrados em Revolução Laura: Reflexões sobre Maternidade e Resistência (Belas Letras), lançado no dia 8 de março.

Ela dividiu com CLAUDIA mais reflexões sobre o laço único criado entre mãe e filha.

CLAUDIA: Durante a campanha, além da parceria de Duca, seu marido, você contou com a ajuda de uma babá nas viagens?

De novembro de 2017 até o final de agosto de 2018, viajei sozinha com minha filha e as pessoas que trabalhavam comigo na campanha. No início, isso era encarado como um problema por quem me receberia. Perguntavam: “Ah, mas vai trazer a menina?”. Felizmente, foi mudando. Aos poucos, ela foi acolhida e levavam brinquedos para as reuniões. Lembro-me de chegar ao interior do Nordeste e ganhar massinha de modelar. Laura passou a ser vista como uma pessoa, e essa foi a minha maior vitória. As mulheres começaram a levar seus filhos e a amamentar no ambiente dos comícios e dos encontros porque sabiam que, se eu estava lá com a Laura, ninguém faria cara feia para outras crianças. Não contratei babá em momento algum, mas tenho o privilégio de poder contar com o pai dela, que divide a responsabilidade comigo e possibilita que eu exerça essa maternidade ativa. Chamo de privilégio porque sabemos que não é a realidade da maioria das brasileiras, infelizmente.

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CLAUDIA: Você exigiu que ela estivesse com você na campanha. Em algum momento se arrependeu dessa decisão?

Ao aceitar a candidatura, coloquei para o partido minha condição de levar a Laura em tudo. Não era só uma questão de precisar por não ter com quem deixá-la. Tinha a minha responsabilidade em dividir os cuidados com meu marido e também o meu afeto. Além disso, não quis reproduzir o que vi meus colegas da política fazendo com seus filhos, deixando-os em casa sob os cuidados de outra pessoa quando iam trabalhar. Meu objetivo, ao fazer diferente, é estimular na sociedade a contestação desses papéis de gênero e garantir que nós, mulheres, possamos viver com mais liberdade. Entretanto, durante a campanha, notei um padrão de comportamento. As pessoas que me atacavam ficavam mais agressivas quando eu estava com a Laura. Acho que é, justamente, porque percebiam minha vulnerabilidade. O momento mais difícil para mim, quando cheguei a achar uma loucura ter levado minha filha comigo, foi quando uma mulher me agrediu no restaurante de um hotel em São Paulo. Ela começou a gritar e até pensei que bateria na Laura.

CLAUDIA: Como você se sentiu nesse momento?

Embora a maternidade tenha desenvolvido em mim forças que nunca imaginei que teria, naquele salão de hotel, a fragilidade da criança, de ter que explicar o que estava acontecendo… Foi muito difícil. Sou mãe dela com todas as minhas qualidades e também com os desafios das escolhas que fiz para mim. Além de mãe, sou mulher, militante, a pessoa que quero ser e faço o que acredito que é o melhor pra ela. Essa situação em questão foi durante um período em que normalmente tirávamos só para nós duas as manhãs antes de começar a agenda. Eram poucos os espaços lúdicos para ela, então eu fazia o que podia. As horas mágicas incluíam pular na cama dos hotéis à noite. Essa invasão a um período particular tornou a situação pior ainda.

CLAUDIA: Quais as suas referências de maternidade?

Sou de uma família matriarcal. Minha mãe tem cinco filhos, quatro mulheres. Ela fez parte do grupo que se separou antes da lei do divórcio. Para minha mãe, a carreira tem um grande peso, e eu sabia que queria contestar esse modelo que exige que nos afastemos de nossos afetos para nos dedicar ao trabalho. Pude construir a maternidade que eu queria viver com a Laura já com o Gui, meu enteado, desde seus 8 anos. Mas, quando Laura chegou, vi que sabia pouco. Comecei, então, a procurar mulheres da minha geração, sobretudo em coletivos de mães, para trocar conselhos e opiniões.

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CLAUDIA: Tornar-se mãe mudou seu olhar sobre o feminismo?

A maternidade revolucionou minha militância. Foi quando compreendi exatamente as estruturas de opressão de gênero. Eu me dei conta do que não via nos espaços da política. Como assim vocês se reúnem ao meio-dia para deliberar? Ninguém vai para casa almoçar? Não, eu vou embora, porque vou levar minha filha para a aula. É um exemplo ridículo, mas foi quando notei que realmente não era igual a eles. Isso tornou meu feminismo muito mais radicalizado, digamos assim. Colocou a maternidade na ordem do dia para mim, bem como a questão da desconstrução dos nossos papéis na sociedade. Afinal, não é o trabalhador, mas a trabalhadora quem sai do emprego para cuidar da criança.

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