“Quero agradecer a todos pela infinidade de mensagens que recebi e que sigo recebendo. Realmente são muitas e de todo país. Por esse motivo peço desculpas por não poder responder em tempo e a cada um, incluindo aos vários meios de comunicação que pediram uma entrevista. Estou muito agradecida pelo interesse que a notícia despertou (antecipando por alguns sites/portais de notícias) sobre minha estreia em televisão pública. Serei uma das apresentadoras de um jornal ao lado de uma grande equipe de profissionais. No canal trabalhamos intensamente para o lançamento. A paixão que dedicamos é prudencial, algo lógico na criação de qualquer produto de comunicação, ainda mais de um jornal de notícias com toda responsabilidade que implica. Por isso estamos nos preparando para vocês. Em breve estaremos no ar para toda Argentina. Esclareço que hoje não é a estreia. Muito obrigada a todos e todas por tantas mensagens de carinho ✨❤️🇦🇷✨”, assim Diana Zurco se dirigiu a seus fãs nas redes sociais há mais de uma semana. Era antes de fazer história: Zurco é a primeira pessoa a transgênero a estar em uma bancada de jornal em televisão pública na Argentina.
A estreia foi na segunda-feira (23), em horário nobre. Mais do que dar notícias, ela mesma virou destaque e comemorou. “Minha presença desafia a sociedade”, ela disse para a Associated Press. “É um convite para a sociedade que diz ‘Esta sou eu: atrás de mim há mais pessoas como eu que querem se expressar. Nós somos capazes, podemos estudar, podemos treinar, comunicar a você o que está acontecendo no nosso país”, acrescentou.
A estreia de Zurco tem relevância mundial por ser tão atípica. Antes de fazer jornalismo, ela trabalhou como cabeleireira e apenas quando as leis argentinas mudaram para abraçar a questão dos transgêneros, em 2012 (a Lei protege quem quer mudar o nome ou passar por cirurgias de confirmação de gênero), que ela viu que poderia realizar seu sonho. E ainda assim tinha que vencer muitas outras dificuldades. Natural de Hurlingham, uma pequena cidade que fica a 80 quilômetros da capital, Buenos Aires, Zurco viaja todos dias por transporte público (ônibus, trem e metrô) para trabalhar. “Acordo às 7 horas da manhã para estar na emissora às 10h e fazer meu turno até as 16h. Aí vou para a maquiagem, cabelo e repassar o jornal antes de apresentar o jornal que agora vai até as 22h. Chego em casa meia-noite”, ela revela.
Dormir?
“Não estou dormindo muito, não mais do que quatro ou cinco horas”, reconhece.
A emissora garante que a escolha de Zurco é muito além do gênero: é pelo talento profissional. “A escolhemos por ser uma boa profissional, essa é a única forma de abrir as portas. Nós todos sabemos das dificuldades para essas mulheres de conseguirem uma chance”, disse a presidente da emissora, Rosario Lufrano, à Associted Press.
Zurco comemorou a oportunidade. “A televisão tem que somar olhares e diversidades. Vim de rádio e estou me adaptando ao vídeo e tive que treinar muito. O jornal é algo novo para mim, tenho que entender o papel de cada um, os cuidados com a câmera”, ela explica.
Ser a primeira não é novidade para Diana Zurco.
“Fui notícia quando fui a primeira locutora trans”, lembra, mencionando que se emociona de poder ouvir relatos de jovens que ganharam nova esperança com sua trajetória.”Se você pode, eu posso”, um jovem me escreveu. Me dei conta do papel que tenho como comunicadora. O papel social que eu tenho marca cada coisa que faço e que digo”, admite, mas ainda lamenta que “ter uma pessoa trans nos jornais não deveria ser notícia ou algo histórico, deveria ser algo natural. Hoje é preciso que seja notícia para que amanhã não seja mais”.