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Iniciativas de tecnologia estão se organizando para combater a Covid-19

Em apoio à saúde pública, pequenas iniciativas tecnológicas e científicas se organizam para tentar suprir a falta de equipamentos de proteção

Por Camilla Venosa
Atualizado em 7 Maio 2020, 15h08 - Publicado em 4 Maio 2020, 10h00
 (Camila Gray/CLAUDIA)
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As mãos da enfermeira Caroline Hampton viviam machucadas de limpar ferimentos de pacientes com as substâncias tóxicas e ácidas usadas na época. Vendo a cena se repetir tantas vezes, o marido dela, o cirurgião americano William Stewart Halsted, da Universidade John Hopkins, encomendou luvas de borracha especiais, mais finas, para reduzir também o risco de contaminação da companheira. Introduziu, dessa forma, uma nova prática hospitalar que mudaria todos os procedimentos dali em diante. Entretanto, tamanha transformação não ocorreu de imediato. Era final do século 19 e foi preciso encontrar indústrias que fabricassem o item em larga escala – Halsted recorreu à Goodyear, hoje mais conhecida pela produção de pneus.

A dependência majoritária das grandes fabricantes persiste, mas vemos surgir um movimento forte que pode impactar essa cadeia. É a proposta de compartilhar conhecimento com a finalidade de criar soluções – e qualquer pessoa pode fazer parte, até mesmo da própria casa. A cena ganhou o nome de Maker (quem faz) no início dos anos 2000. Os resultados são significativos em diversas áreas, inclusive na medicina e especialmente agora, em meio à pandemia do novo coronavírus. Com o assustador panorama da falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) em hospitais e Unidades Básicas de Saúde, makers de todo o país decidiram unir forças e ligar suas máquinas para produzir máscaras, aventais, protetores oculares e até respiradores.

Pequeno e poderoso

Um fab lab é um laboratório de experimentação e fabricação digital, um reduto maker. Em Sergipe, há apenas um, mas a pandemia impulsionou o movimento, expandindo para outros lugares ações de produção de EPIs. A professora do Instituto Federal de Sergipe Stephanie Kamarry (de máscara, entre o assessor João Mota e a secretária municipal de saúde, Waneska Barbosa) imprimiu o primeiro protótipo de face shield em casa. A secretaria de Saúde estadual rapidamente demonstrou interesse. “Dois dias depois, já tínhamos 90 voluntários e uma reunião para validar o modelo com autoridades locais”, conta Stephanie, 28 anos. Os hospitais solicitaram 10 mil itens a princípio. Com uma vaquinha virtual, o grupo conseguiu 35 mil reais para comprar matéria-prima e começar a operar 70 impressoras 3D espalhadas pela cidade. As máscaras produzidas – de 150 a 200 por dia – são entregues às instituições por um motorista oferecido pela Secretaria de Saúde de Sergipe. O projeto, agora chamado Cuidar de Quem Cuida da Gente, também está fabricando óculos de proteção para profissionais das Unidades Básicas que atuam no atendimento de triagem. “É gratificante o que estamos conquistando. O meu objetivo sempre foi popularizar o movimento maker. A produção dos EPIs fortalece a ideia de que uma rede colaborativa pode fazer algo grandioso”, conclui.

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Stephanie Kamarry, de máscara, entre o assessor João Mota e a secretária municipal de saúde, Waneska Barbosa (Acervo pessoal/CLAUDIA)

 

Na parceria, a força

Especializada em impressões 3D, a engenheira biomédica Thabata Ganga, 26 anos, logo viu que sozinha não poderia agir no combate à pandemia. Reuniu em apenas dois dias 1,5 mil voluntários para seu projeto, o Brasil contra o Vírus (@bracontraovirus no Twitter). O grupo começou a produzir face shields (aquelas máscaras transparentes que cobrem todo o rosto). São mais de 200 por dia, ao custo de 3 reais a peça. “A ideia é criar diretrizes de produção, utilização e limpeza e deixar o modelo aberto na internet. Assim, pessoas de todo o país poderão reproduzir o protótipo para atender outras instituições”, explica. Com o apoio de uma rede de materiais de construção e doações de matéria-prima, a iniciativa também passou a desenvolver respiradores mecânicos com acionamento pneumático, chamados pelo grupo de Espartanos. “Não têm eletrônica nenhuma, são feitos de materiais que podem ser encontrados em qualquer lugar. Em caso de extrema necessidade, conseguiríamos montá-lo tanto aqui no Brasil quanto nos países da África, por exemplo”, afirma a jovem. O time de Thabata também está desenvolvendo um inventário dos equipamentos deficitários nos hospitais públicos. O objetivo é facilitar a identificação do que exige troca urgente e melhorar as condições de atendimento.

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Cruzando informações

Figura central na cena maker brasileira, a jornalista e empreendedora social Gabriela Agustini, 36 anos, começou compartilhando modelos abertos para serem copiados que circulavam em grupos na internet. Quando viu que o volume seria grande, reuniu todas as informações em uma única plataforma, o Protege.BR. “Com o apoio do Google, vamos compartilhar experiências de projetos que estão em andamento. Ao mesmo tempo, estamos em contato com as secretarias de Saúde dos estados para mapear demandas hospitalares”, afirma. A carioca defende que outras iniciativas, nem sempre ligadas à tecnologia, também têm gerado resultados significativos na batalha contra o novo coronavírus – como no caso da produção de máscaras de pano, feita de maneira artesanal. “O termo maker abrange uma definição muito ampla. É menos pela produção digital e mais sobre uma mentalidade e um modo de fazer em que você compartilha conhecimento, explora possibilidades das novas e das antigas tecnologias e reflete como um conjunto maior da população teria acesso a esses dados. Maker é democratização de acesso”, define.

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Gabriela Agustini (Acervo pessoal/CLAUDIA)

 

Não é só tecnologia de ponta

Empenhada em fazer sua parte, a figurinista Danielle Tereza, 37 anos, quis entrar para a linha de produção amadora de EPIs. Descobriu, por meio de uma amiga, o projeto ComVida-20, do Hospital Santa Marcelina, em São Paulo, que reúne, entre muitas outras ações, mais de 100 costureiras voluntárias. Elas produzem uniformes destinados a profissionais de ambulatório e a quem atua nas unidades de terapia intensiva, mas não estavam conseguindo matéria-prima para seguir com o propósito. A paulista, que trabalha na área, conversou com alguns conhecidos e conseguiu doação de tecidos, como o TNT com gramatura aprovada pela Anvisa. Surgia assim o Vestindo Heróis, iniciativa que ajudou a alcançar uma produção média por costureira de 100 máscaras ou 70 aventais por dia. “A gente acaba achando uma saída mesmo em situações ruins. Fiquei surpresa com a facilidade de encontrar mão de obra solidária, mas ainda tememos a baixa quantidade de matéria-prima”, revela Danielle.

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Danielle Tereza (Acervo pessoal/CLAUDIA)

 

O apelo vem de casa

A fonte de inspiração da paranaense Barbara Tostes, 45 anos, lembra bastante a história de Caroline e William contada lá no começo. A empresária de Castro (PR) é casada com um médico e acompanha de perto as necessidades atuais do sistema de saúde. Influenciada pelo chamado de Thabata Ganga, ela parou de produzir moldes para peças de metal e utensílios de festa em suas impressoras 3D e começou a fabricar máscaras. “Conheço profissionais na linha de frente que estão cuidando de pacientes em estado grave sem a proteção adequada. Não tenho coragem de negar pedidos, estou trabalhando sem parar para conseguir atender a todos”, explica ela, que também cuida da distribuição. Ela conta com quatro pessoas para ajudá-la e paga do próprio bolso todo o processo, que gera quatro face shields a cada 35 minutos.

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Barbara Tostes (Christian Christoforo/CLAUDIA)
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A ciência é a resposta

Mesmo castigado por duros cortes nos últimos anos, o ensino superior público não fugiu à luta. Entre as tantas iniciativas está a do professor Jurandir Nadal, 63 anos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com a ajuda de colegas e alunos do Programa de Engenharia Biomédica do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), ele coordena o desenvolvimento de um ventilador pulmonar mecânico de baixo custo. O equipamento minimiza um dos mais graves sintomas da Covid-19, a falta de ar. “A válvula, que é a base do nosso estudo, funciona como um pressurizador. Na inspiração, ela aumenta a pressão que vai para o pulmão. Na expiração, deixa que o ar saia normalmente. Não costumamos fazer produções para uso industrial, mas neste caso tínhamos o conhecimento e conseguimos o recurso”, explica Nadal. A corrida contra o tempo é para finalizar os testes de validação e começar a distribuição dos itens. “Que a gente consegue fazer, não há dúvida, mas cumprir o prazo apertado da demanda é mais difícil. A tentativa é de adaptar peças para agilizar o processo”, afirma. O custo de produção varia de 3 mil a 5 mil reais – dez vezes menos do que um ventilador industrial, em média.

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(Jurandir Nadal/CLAUDIA)

 

 

Em tempos de isolamento, não se cobre tanto a ser produtiva

 

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