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A beleza da vida imperfeita

Para nossa colunista Liliane Prata, sonhos são bons, mas não podem nos cegar para a delicadeza do dia a dia

Por Liliane Prata
16 set 2015, 09h59
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  • Esta semana, entrevistei uma psicanalista que comentou como nós, mulheres, apesar da independência financeira e de tantos avanços em tantas áreas, ainda idealizamos o amor.

    Concordo com ela, mas depois que o nosso café se encerra me pego pensando nas peças de muitos gregos antigos, e nos poetas do século 19, e em várias músicas do século 20: não faltam homens sonhadores, apaixonados por algo ou alguém inalcançável e decepcionados, ou simplesmente cansados, quando o assunto paira bem abaixo das nuvens: o dia a dia.

    Talvez todos nós, em algum grau, idealizemos o amor e vida, afinal de contas.

    Se o ideal é um bosque com árvores lindas e pássaros cantando, a realidade comporta tudo isso, mas também buracos e mosquitos. Não é à toa que, como dizem, na prática a teoria é outra: nenhum pensamento pode ser transposto tal qual ele é para a vida lá fora, simplesmente porque pensamento e vida são feitos de materiais diferentes. Às vezes, por instantes curtos, a realidade pode até ser melhor do que o que tínhamos em mente – sejamos justos. Mas não dura muito. Os sonhos são editados: quando desejamos algo, selecionamos os melhores momentos, como um filme bem-feito, com cortes nos lugares certos. Já a existência é contínua e, entre os momentos agradáveis, há filas, despertadores e narizes escorrendo.

    No entanto, fico pensando que o amor pé no chão, como todo o resto, tem sua beleza.

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    Talvez porque nós, humanos, sejamos seres complexos, multifacetados, a gente se enjoa do perfeito – ou do que entendemos como perfeito. Naturalmente, precisamos do sofrimento para notar a alegria, da sombra para ver a luz, do cinza para darmos valor ao céu azul. Mas não é só isso. Penso que há realmente algo de belo no torto, no avesso, no fracasso, no erro. Não apenas para reconhecermos e valorizarmos o outro lado da moeda, mas para valorizarmos a própria existência, com toda a sua fragilidade e delicadeza.

    Amo mais meu amor quando percebo que ele é como eu: falha.

    Faço questão de amar mais a mim mesma quando me olho no espelho e penso: não foi dessa vez.

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    Desfruto de paz quando minha alma está bem-comportada, mas faço questão de não amaldiçoar o caos que lhe é inseparável. O caos não é apenas sombra: é vivo, é concreto, é parte de nós, que somos seres inteiros, unos, e nos separamos entre “qualidades” e “defeitos” apenas porque fica mais fácil tentar nos entender assim.

    Debaixo do mesmo teto, as paixões precisam se acomodar em meio às tarefas, as pendências, ao toque barulhento do telefone. Mas, como escreveu Clarice Lispector em A Paixão Segundo G.H., nós, limitados e inquietos que somos, confundimos o delicado com o entediante. Não confundir exige o cuidado de um observador atento, uma paciência de ourives. Temos dificuldade de ver a beleza do dia a dia, das coisas simples. E deixamos a imaginação bater asas em voos cegos, rumo ao inalcançável.

    Idealizamos o amor. Idealizamos os filhos. Idealizamos os amigos, a carreira, as férias, o dia. Idealizamos tanta coisa para fugir do real, que, com seu vento, incomoda nossos olhos quando poderia, quem sabe, se deixássemos… Afagar nosso rosto. Com todas as sensações, boas e ruins, que só o real tem.

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    Conciliação completa com a vida nunca haverá. Mas alguns de nós negociam melhor com os fatos, outros pior – independentemente do sexo, prefiro pensar. Outra coisa que gosto de pensar: a realidade, como disse Woody Allen, é difícil, mas pelo menos é o único lugar onde podemos comer um bom churrasco.

    Liliane Prata é editora de CLAUDIA e assina esta coluna às quartas. Para falar com ela, clique aqui

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