SPFW: Catarina Mina entende o artesanato como uma tecnologia do futuro
A marca, que aposta em sustentabilidade e protagonismo feminino, fortalece o vínculo entre moda e impacto social
Com mais de 18 anos de história, Catarina Mina une o artesanato e a moda. A marca, fundada por Celina Hissa, nasceu da vontade de incentivar o empreendedorismo e valorizar o trabalho manual – considerado um bem cultural brasileiro.
Atualmente, as peças contam com a colaboração de 31 comunidades e envolvem cerca de 450 artesãos, dos quais 99% são mulheres. Muitas delas são mães (92,4%) e avós (38,2%), cujas rendas são impulsionadas pela produção artesanal, proporcionando autonomia financeira para suas famílias.
Segundo Celina, a transmissão de saberes ancestrais e o senso de comunidade entre os trabalhadores pode ser considerado uma tecnologia importante para a construção de um futuro sustentável e igualitário. É essa ideia, inclusive, que inspira a coleção “Herdeiras do Futuro”, apresentada nesta edição do São Paulo Fashion Week.
“A ato de artesanar envolve múltiplos saberes, extremamente sofisticados, acumulados ao longo de gerações, em que artesãs e artesãos expressam suas genialidades. Eles inovam, reinventam, mapeiam processos, aprimoram técnicas e perpetuam suas práticas, ao mesmo tempo em que as reelaboram e as transformam”, afirma o manifesto de lançamento.
“Nosso papel e propósito é chegar não só longe, mas chegar perto também, em quem circula perto de nós. Fazer o mundo entender que o futuro pode ser sim artesanal, herdado de saberes ancestrais que de mãos dadas com a inovação criam o que ainda não existe. Um herdeiro do futuro é um fazedor de amanhãs”, completa. Abaixo, confira a entrevista com Celina Hissa:
CLAUDIA: Quando você se deu conta da importância de usar materiais naturais para criar suas peças?
Celina Hissa: O motivo pelo qual a gente chega na moda é a vontade de trabalhar com artesãos e com artesanato. A moda é nossa paixão, mas justamente por viabilizar o trabalho com as artesãs e ser um lugar que conecta o potencial criativo ao consumidor. O Ceará é um estado que tem potência, são várias tipologias artesanais e a gente trabalha com mais de sete.
A marca preza pelo trabalho coletivo. Por que isso é importante para você e para a sociedade como um todo?
O artesanato é guardado há muitas gerações por mulheres, e muitas delas são mães. Elas aprendem o ofício na mesma família e isso, de certa forma, é um cuidado comunitário.
A vida em comunidade faz com que a gente possa imaginar um futuro melhor. Quem é mãe sabe como faz falta esse olhar coletivo. Esse olhar é o que permite o compartilhamento do conhecimento. Quando trabalhamos com comunidades, respeitamos e entendemos que estamos tentando agregar a esse ciclo de trocas de saberes.
O termo “artesanato” nos remete a técnicas antigas. Mas como conquistar o público jovem sem perder a essência?
A tradição é feita de traduções. Ela precisa se reinventar. Se a gente não permitir que a tradição incorpore novos olhares, ela fica guardada no passado. Trazer o ancestral para o público jovem é permitir que criemos e transformemos juntos. Nossa ideia é criar conexões entre diferentes pessoas e públicos.
Você sente que, ainda hoje, há um preconceito com o artesanato?
Eu acho que o artesanato é cool, não vejo esse preconceito. O que percebo, às vezes, é que há um trabalho de branding mais forte em marcas internacionais, que faz com que alguns jovens não deem o mesmo valor para o que é criado aqui. A ideia da Catarina Mina é exatamente dizer que a moda nacional é incrível.
Estamos voltando nossos olhos para a produção do Nordeste – de arte, moda e cinema. Como você percebe esse movimento?
A grande mudança que está acontecendo é do Nordeste olhar para si próprio. A gente, como nordestino, está se inspirando no local e não no que há lá fora. Parar de olhar para o eixo Rio-São Paulo como algo melhor tem feito muita diferença.
A marca usa inúmeras técnicas de produção, não só o crochê. Como você combina cada uma delas para tornar as peças harmônicas?
Usamos a renda de bilro, a renda de filé, o crochê… Quando pensamos em uma coleção, sempre tentamos criar peças com tipologias diferentes. É isso que move a marca. Para deixar harmônico, criamos uma cartela de cor e padronagens. Não vemos isso como um grande desafio.
A palavra do momento é sustentabilidade. Vivemos mudanças climáticas, escassez de bens naturais e há pessoas em situações vulneráveis. Como a moda pode transformar esse cenário?
A moda tem um grande poder de comunicação, para além da produção e consumo como indústria. Usamos cada vez mais materiais sustentáveis, pensamos em reciclagem e reutilização. Assim, entendemos que estamos instigando reflexões sobre o impacto social da cadeia produtiva.
O consumidor que é impactado por nós pode olhar para o artesanato de forma diferente – quando ele chega numa feirinha, talvez ele não pechinche mais. A moda sozinha não vai mudar o mundo, mas as marcas são parte dessa grande rede de potências que precisam estar alinhadas para criar um futuro mais sustentável.
A marca se importa muito com o protagonismo feminino desde a criação até a produção. De onde vem esse interesse?
Vem da empatia. Trabalhamos com mulheres artesãs e, nesse cenário, entendemos a importância de fortalecê-las para mudar realidades. O artesanato é passado de geração a geração porque ele é um grande impulsionador de renda.
É uma forma que as mulheres têm de trabalhar em casa ao mesmo tempo em que cuidam dos filhos. Isso porque há locais em que elas não podem sair por serem responsáveis pela comida e pelo cuidado. A dependência econômica é algo que gera muita dor, então o artesanato chega como um parceiro em situações de vulnerabilidade.
Nesta edição do SPFW, você apresenta a coleção “Herdeiras do Futuro”. Como você a define?
Na primeira coleção, olhamos para as artesãs como mulheres guardiãs dessa memória artesanal, colocando-as em um lugar de respeito e importância. Nesse segundo momento, chamamos o público para uma reflexão sobre o futuro dessa rede de empreendimentos de sustentabilidade que também trabalha com metodologias artesanais.
A ideia é pensar como garantir um futuro para o artesanato nas próximas gerações. Pensando nisso, convidamos a marca Da Tribu, de Belém do Pará, que trabalha com borracha sustentável. Sentimos que o artesanato é uma tecnologia social que nos orienta para esse futuro comunitário – é isso o que nos faz humanos.
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