Ao entrar em uma loja de departamento, algumas poucas araras abrigam roupas acima do manequim 48 e, normalmente, estão em um canto escondido, quase sem sinalização de que ali há peças plus size. O cenário é relatado por Damaris Rota, que reclama da falta de roupas com informação de moda e que, de fato, sejam feitas para corpos gordos.
“Parece que o mercado não entende a gente como consumidor, que fazem as modelagens ampliando de corpos padrões para os corpos grandes, sem nenhuma noção do que estão fazendo. As marcas que encontro roupa com bom caimento são raras e de pequena produção. Me torno cliente fiel e faço bastante propaganda”, explica Damaris.
Ela é uma das muitas consumidoras que não encontram uma variedade de peças plus size em grandes varejistas da moda, mesmo com números interessantes de crescimento do setor.
Segundo dados mais recentes da Associação Brasil Plus Size (ABPS), o segmento movimentou R$9,6 bilhões, em 2021, e tem expectativa de alcançar os R$15 bilhões em faturamento até 2027.
Apesar da desaceleração do segmento de vestuário como um todo, por conta da pandemia, o mercado plus size ainda coleciona bons números, tendo crescido 75,4% nos últimos 10 anos, conforme pesquisa da ABPS.
O estudo também apontou que 57,25% da população brasileira entre 18 e 60 anos é usuária de mercado plus size. Para Juliana Ferraz, que é empresária, palestrante, influencer e idealizadora do evento Body, o empreendedor brasileiro ainda não entendeu a potência econômica que é vender moda plural.
“O Brasil ainda está há anos luz, com o entendimento do poder e da potência financeira que é a moda plural. O que vejo é um consumidor mais exigente e buscando consumir roupas que estão na moda. A informação está em todo lugar e a grande luta é ter acesso a um mesmo produto de diferentes tamanhos. Uma peça de roupa que é tendência no mundo, por exemplo, chega para o mercado plus size cerca de seis, oito meses depois”, comenta Ju, que não é fã do termo ‘plus size’.
“Luto todos os dias para que as roupas com grade estendida se tornem normais e que as pessoas respeitem as outras pelo o que elas são e não pelo tamanho dos seus corpos. Acho que isso é o princípio de tudo para essa transformação.”
O espaço autoral dos pequenos empreendedores
A DJ, jornalista e ativista Flávia Durante observou essa lacuna dentro da moda para todos os corpos há tempos e, dessa reflexão, criou a Pop Plus, a maior feira de moda e cultura plus size do mundo, além de ser uma plataforma de conteúdo, curadoria e consultoria.
“A consumidora foi se educando, graças ao movimento inspiracional que vem acontecendo na última década e, hoje, não aceita mais só o vestidinho de malha, a roupa de elastano ou a legging e o camisetão. Ela também quer a alfaiataria, o tecido plano, a informação de moda, enfim, a roupa de qualidade”, afirma Flávia.
Desde a primeira edição, em 2012, com apenas 9 expositores, atualmente, a feira conta com uma média de 80 expositores e um público em torno de 10 mil pessoas por edição.
Damaris costuma frequentar e comprar novidades dos pequenos empreendedores, mas acha que os preços são muito mais caros do que as peças normais. “A gente paga caríssimo em uma calça, só porque ela é um G2 ou G3. Na maioria das vezes, a mesma peça ou uma parecida, de um tamanho M ou G, custa duas vezes menos. Ainda me pergunto o que acontece para essa disparidade de preço”, indaga ela.
Para Flávia, as marcas que realmente enxergam este público com dignidade e respeito são marcas autorais e pequenas e que não tem um grande alcance, logo, a produção é menor e o preço tende a ser maior.
“As grandes marcas que realmente podem ter uma alcance nacional têm muita má vontade e preconceito enraizado com o corpo gordo. Precisou vir uma marca chinesa, que enxerga pura e simplesmente dados e mercado, para começar a cair a ficha”, aborda ela, se referindo à chegada da Shein ao Brasil.
A empresária reforça que o consumidor de moda plus size também quer agilidade na entrega. “O problema é que essas recentes mudanças também afetaram o mercado autoral e muitas marcas estão fechando, pois não conseguem competir com os preços e não aguentaram o baque. Esperamos que haja algum programa como o Remessa Conforme, do governo federal, dirigido ao mercado nacional para baratear o frete”, pontua Flávia.
A movimentação dos grandes players dentro do plus size
Com 18 pontos de venda física, cuja última inauguração foi no litoral paulista, a Ashua, marca curve e plus size da Lojas Renner S.A., foi uma das primeiras respostas das grandes lojas do varejo têxtil aos pedidos dos consumidores.
“A expectativa é que as roupas sejam ferramentas de expressão e conexão e não mais fontes de limitação, o que tem feito do segmento um nicho de alto potencial de crescimento e uma das grandes tendências do varejo de vestuário”, explica Diana Wu, Gerente Sênior da Ashua.
A grande aposta da marca está na constante conversa com seus consumidores, com pesquisas e diálogos constantes com eles, em todos os canais de contato, seja a loja física, e-commerce ou redes sociais.
“Criamos coleções para mulheres de diferentes estilos, como as mais casuais, que buscam peças mais confortáveis, com estilo mais clássico ou romântico e tecidos mais fluidos. Também contemplamos o estilo urbano através de looks mais despojados, com as principais tendências da estação e peças para diferentes ocasiões – do trabalho aos festivais de música, por exemplo”, indica Diana.
No entanto, para atender com qualidade um setor tão menosprezado, porém, exigente, é preciso estar atento às necessidades do público. A partir de pesquisas com as consumidoras, Diana afirma que a marca evoluiu nas modelagens, com uma tabela de medidas nova, contemplando dos tamanhos 42 ao 58, mais fiéis ao biotipo das clientes da marca.
Para a executiva, é muito importante que todo consumidor conheça cada palmo do seu corpo, para poder exigir e saber comprar melhor, pois, dificilmente, as tabelas serão padronizadas com uma infinidade de corpos diferentes, como os das brasileiras.
O que ainda precisa mudar no mercado plus size?
Nas últimas temporadas nacionais e internacionais, muitas modelos gordas desfilaram looks incríveis, cheios de sensualidade e dignos de um bom tapete vermelho. Mas, quando será que eles chegarão ao consumidor final para ele ir a um casamento ou uma festa mais arrumada? Esse é um dos questionamentos fundamentais feitos por Flávia.
“Pode colocar a modelo que for na capa da melhor revista e do maior desfile, mas, quando a consumidora entrar na loja daquela marca, nos shoppings, vai estar à venda apenas até o manequim 38. Ainda há vários espaços a serem preenchidos, como moda festa, moda masculina, acessórios e calçados, por exemplo. Precisamos também de uma mudança estrutural no ensino de moda no Brasil”, aponta a empresária, que acredita que as escolas de moda ainda estão presas no padrão Europeu dos anos 1950 e 1960.
“Urge a necessidade de uma escola de moda brasileira. Sem mudança no ensino de moda e na industrialização, jamais vai haver uma mudança de fato.”
Além disso, um atendimento acolhedor e um olhar atento para as demandas que surgem do público são essenciais para a mudança de pensamento e da forma de produção. Sem esquecer, claro, da comunicação cada vez mais diversa.
“Não adianta fazer do 46 ao 62 e, nas fotos do site, só ter modelos da grade mais baixa. A consumidora quer ver corpos parecidos com o dela, para saber como a roupa fica no seu corpo”, comenta Flávia. Os caminhos a serem trilhados são longos, mas o mercado já saiu da inércia (pelo menos é o que parece!)