Se tem uma coisa que a última temporada de moda confirmou é que a roupa íntima deixa de ser tão íntima para sair às ruas cada vez mais. Se no início de 2020 celebridades como Bella Hadid ou Emily Ratajkowski voltaram a exibir o fio dental aparecendo sobre o cós da calça, fazendo um aceno ao início dos anos 2000, as passarelas confirmam que a lingerie em primeiro plano veio para ficar. Um exemplo foi o desfile da brasileira Bold Strap, que encerrou o primeiro dia de SPFW54, levando seu fetichismo característico, mas dessa vez com camisolas transparentes, sutiãs de tule fazendo as vezes de top e lingerie em couro em tons de rosa ou azul bebê. Nas semanas de moda gringas, diversas marcas, da Bottega Veneta à Miu Miu, borraram ainda mais a fronteira convencional entre a roupa que se esconde e aquela que se mostra. Não à toa, a Tagwalk, plataforma digital que identifica tendências por meio do cruzamento de dados retirados de todas as passarelas do mundo, consagrou a palavra “transparente” como principal categoria de busca da temporada.
A estreia do parisiense Matthieu Blazy como diretor criativo da Bottega Veneta se destacou nessa tendência com uma versão mais glamorosa do slip dress, popularizado por Calvin Klein na década de 1990. Sob um manto de lantejoulas cristalinas e bordados de frutas que revelam uma calcinha retrô, um sutiã lilás espreita sob o vestido que cria a ilusão de ter várias camadas no decote. Um efeito que também apareceu nas coleções mais sombrias da Givenchy e da Erdem, ou nos looks Gen Z da Versace, que apresenta outra peça íntima na passarela (e emblema da geração TikTok): o corset.
Mas se teve uma coleção que capturou como nenhuma outra o uso da roupa íntima na estética Y2K foi a proposta outonal da Miu Miu. Com uma das silhuetas mais criativas deste ano, composta por um blazer ou casaco exagerado e uma saia reduzida ao seu comprimento mínimo, todo o destaque ficou com a lingerie à mostra, as calcinhas de cetim que espreitavam sobre as saias e os sutiãs insinuando-se entre tecidos transparentes. A própria Miuccia Prada, que apareceu nos bastidores do desfile vestindo uma simples anágua e uma camiseta, defendeu a tendência. “Esse espírito faça-você-mesmo nos convida a levar nossas próprias roupas íntimas de casa, onde passamos tanto tempo, para a rua onde ansiamos estar durante os últimos anos”, disse, referindo-se ao confinamento durante a pandemia de Covid-19.
Depois de peças confortáveis, como o moletom, dominando os códigos estéticos pandêmicos, retornamos à vida com um espírito descontraído, também na moda. E isso significa, ao que parece, mais pele de fora. Para Camila Diniz, consultora de moda e personal stylist, essa tendência é mais um sinal de que “os códigos de vestimenta estão mais frouxos, graças à maior diversidade e liberdade de expressão que temos vivido” nas últimas décadas. “É também um reflexo de como as mulheres estão mais ousadas em relação aos seus corpos. Estamos quebrando padrões impostos, lutando para alcançar altos cargos no mercado… E a moda vem, claramente, retratando essa reivindicação de liberdade”, explica a CLAUDIA.
Como usar
O outwear ou fetiche core ganhou força, primeiramente, na década de 1920 e, desde então, vem se apresentando de diferentes maneiras de acordo com o espírito de cada época. Atualmente, essa estética aparece mais em celebridades e eventos glamurosos, mas tem ganhado espaço também no street style. O sutiã, usado como top envolto em texturas de cetim ou jeans, tem aparecido nos trabalhos de Christopher Kane ou Valentino. Em tecidos como chiffon ou renda, a lingerie à mostra ganha uma dramaticidade sexy, como os modelos desenhados por Kim Jones para a Fendi, que apostou em texturas etéreas, costuras abertas e tons pastel.
Para quem quer vestir a tendência, Camila Diniz recomenda combinar bodies rendados com jeans, slip dress com blazer ou transparências com sutiã aparecendo. “Usar sutiãs com peças de alfaiataria e cintura alta também é super estiloso. Outras opções são hot pants com transparência e espartilhos ou corsets com jeans”, acrescenta. A principal dica da consultora de moda é equilibrar peças “mais pesadas e estruturadas” com a delicadeza da lingerie. “Assim, criamos um ponto de equilíbrio entre formal e informal. É o famoso high-low.” E, apesar da moda ser cíclica, Camila acredita que essa trend não parece ter data de validade. Então, aproveite.