Eu lembro da minha mãe fazendo crochê toda a minha infância, era um hobby para ela relaxar. Durante a adolescência, ela tentou me ensinar e nunca tive muita paciência. Mas, de certa forma, sempre enxerguei esse trabalho manual como uma atividade muito feminina. Ao assistir ao documentário O Ponto Firme, dirigido por Laura Artigas, percebemos como precisamos quebrar certos pensamentos o tempo inteiro.
O filme acompanha o estilista pernambucano Gustavo Silvestre em um projeto social dentro de uma penitenciária no município de Guarulhos, em São Paulo. Ele cria uma oficina de crochê, onde os homens aprendem a técnica e criam uma coleção de roupas, que resulta em um desfile.
Após pré-estreia virtual, durante a SPFW 2020, e passagem por festivais internacionais, o longa finalmente chega aos cinemas nacionais no Circuito SPCine – Sala Olido.
Durante nove meses, 20 detentos participaram do projeto na Penitenciária II Desembargador Adriano Marrey.
Eles usaram a imaginação, vivências e o próprio talento para desenvolver as peças, que são dignas obras de arte. Os recentes artesãos comentam que o corpo pode até estar preso, mas a mente vai longe, dando espaço para a criatividade fluir.
Os próprios personagens citam como é importante para eles essa transformação, eles precisam de outras vivências dentro do cárcere, pois não querem pensar em crime o dia todo.
“Para a sociedade lá fora, a gente não é nada”, diz um dos alunos durante o filme. E completa dizendo que há muitos talentos na penitenciária que estão escondidos por falta de projetos sociais.
A oficina de Gustavo Silvestre oferece um possível futuro, com o crochê e uma outra forma de pensar. É um filme muito bonito e disruptivo, pois tira a visão negativa que temos de pessoas que estão presas.
O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo e, em 2022, esse número bateu um recorde: são um total de 832.295 pessoas, segundo o levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Na época em que o documentário foi feito, o percentual masculino era de mais de 90%, sendo que 60% dos detentos eram homens negros. E nesse escopo, apenas 23% têm acesso a cursos e oficinas feitas dentro das penitenciárias.
Com o documentário, é visível o poder transformador de atividades que explorem a criatividade neste âmbito.
O Ponto Firme mostra os esforços dos estilistas para continuar inspirando os alunos, fornecendo materiais, como revistas de crochê e vídeos com tutoriais.
Em 2021, o projeto se tornou uma escola. Gustavo conta que uma das maiores dificuldades é também a realidade fora da penitenciária, por conta disso, foi necessário pleitear um espaço além do cárcere.
“Hoje em dia, trabalhamos com imigrantes, refugiadas, pessoas trans, enfim, pessoas com vulnerabilidade social. Ensinamos o crochê como uma ferramenta de transformação social e de inclusão. Estamos nessa luta”, conta Gustavo Silvestre.
O documentário já passou por festivais internacionais, como o Berlin Indie Film Festival, Boden Film Festival na Suécia e Moving Parts Film Festival em Los Angeles, ganhando prêmios e reconhecimento.
Durante uma semana, O Ponto Firme ficaem cartaz no SPCINE Olido, no centro de São Paulo. Nos dias 25, 27, 28 e 29/11, as exibições acontecem às 19h, e no dia 26/11 (domingo), às 16h. É uma produção da BR153 Filmes e merece o apoio, já que mostra a realidade do país e como a moda pode sair do escopo elitista em que está inserida.
Confira abaixo o trailer: