Alguma vez você já passou pela experiência de se encantar pela aparência de um doce, mas ao provar um pedaço se decepcionar completamente com seu sabor? Pois foi exatamente assim que me senti assistindo ao vídeo da mais recente coleção de alta costura da Dior. Beleza há de sobra nele, isso não se pode negar. Os cenários parecem saídos diretamente de um conto de fadas, as modelos são lindas e as roupas, claro, espetaculares. Mas conforme os minutos iam passando, meu deslumbramento aos poucos foi substituído por um incômodo crescente: onde estavam as modelos não-brancas?
Dando uma rápida olhada nas redes sociais da grife, pude confirmar que não fui a única a sentir a gritante ausência de um casting mais diverso. No Twitter, o primeiro comentário na publicação com o vídeo vai direto ao ponto. “Por que tudo que tem fadas e magia é associado aos brancos?”, diz. Logo embaixo, em tom irônico, a crítica ecoa: “Acho que garotas negras não podem ser mágicas ou fadas.” Uma possível justificativa de que, por ser inspirado nas pinturas pré-rafaelitas e em lendas europeias, o filme não poderia trazer nenhuma pessoa de outra raça pois estaria “distorcendo a história” também não colou no Instagram:
“Distorcer a história? É um comercial, não um documentário, ele deve falar aos clientes.”
Fato é que, uma semana depois de toda essa controvérsia, ver que a coleção masculina da grife foi apresentada com um casting composto inteiramente por modelos negros foi uma surpresa agradável. Não apenas isso, mas as próprias peças foram projetadas com o aclamado pintor ganês Amoako Boafo e inspiradas nas obras do artista sobre a diáspora negra. Claro, o timing faz com que, à primeira vista, a escolha dos modelos pareça uma tentativa de se redimir da falta de diversidade da coleção feminina, mas este não é o caso. Não é possível preparar uma coleção inteira no curto intervalo de uma semana, afinal.
O próprio Kim Jones, diretor artístico da moda masculina da Dior, afirmou em entrevista ao The Guardian que a ideia para coleção veio muito antes até da recente explosão de discussões sobre a questão racial. “Não é político: começamos isso em dezembro. Mas uma das coisas que os designers podem fazer é refletir sobre o momento em que estão. Para mim, a diversidade é uma coisa natural, um reflexo de um mundo mais amplo”, declarou. Tendo crescido na África e sendo um apreciador da arte africana, especialmente de Boafo, Jones já tinha o desejo de trabalhar com um artista do continente há algum tempo.
A admiração parece ser mútua, uma vez que Boafo também ama moda. “A moda inspira meu trabalho. Então eu costumo visar personagens que possuem algum senso de estilo. Se você olhar para algumas das minhas pinturas, como Hudson in a Baby Blue Suit, por exemplo. Ele é um modelo e eu gosto do senso de moda dele. A parte interessante de trabalhar com uma grife para mim é como eles são capazes de transferir minha técnica para as roupas.”
Intitulada Retrato de um artista, a coleção traz desde sobreposições e golas altas até shorts de comprimentos variados e transparências. Várias peças foram estampadas com as obras de Boafo, algumas pintadas à mão diretamente no tecido. Uma em especial foi diretamente inspirada em uma obra do artista, como conta Jones no vídeo da coleção. “Quando estávamos em Gana, vimos um lindo trabalho dele que tinha um rapaz com uma camisa estampada com folhas. Este foi o ponto de partida das ideias de pegar as texturas, estampas e padrões das obras dele, e as cores e transformá-las em retratos que ganharam vida.”