Quando o estilista Alexandre Herchcovitch, 45 anos, fez, em 1993, seu famoso desfile de formatura, que o lançou na carreira, ele levou à passarela roupas usadas e transformadas para a ocasião. Em abril de 2016, ao apresentar no São Paulo Fashion Week a primeira coleção que desenhou para a À la Garçonne, vimos o mesmo exercício: suas criações surgiram da reinvenção de peças já existentes, a maioria delas vintage, reformadas, reconstruídas ou incrementadas com detalhes como a aplicação de tecidos e pinturas feitas à mão. “Todas as roupas e acessórios da marca nascem do reaproveitamento. Mesmo o que é criação nova é feita com tecido 100% reciclado. O pensamento é privilegiar o que está há mais tempo no mundo”, conta Herchcovitch.
Esse ponto de partida foi uma decisão natural não só pelo passado do estilista, um dos maiores do país, como também pela vocação da À la Garçonne, que existe desde 2009 e surgiu como um brechó, pelas mãos do arquiteto Fábio Souza, 39 anos, marido de Alexandre. Ao longo dos anos, Souza, no entanto, acabou incorporando móveis ao mix de produtos à venda até que, em 2014, decidiu investir só em mobiliário – e guardou seu acervo de roupas antigas, montado com itens como lenços de seda, rendas e jaquetas militares e de couro. Em fevereiro último, assim que Herchcovitch se desligou da marca que leva seu nome, na qual ficou por 23 anos e que pertence ao grupo InBrands, essas peças foram resgatadas e adaptadas ao jeito Alexandre Herchcovitch de enxergar a moda. “Foi o Fábio que teve a ideia de criar uma marca para a À la Garçonne”, diz. “Juntos, chegamos à conclusão de que queríamos algo ligado ao conceito de upcycling, que mira o reúso. Isso sempre esteve em mim, mas acabou se perdendo um pouco, depois de tanto tempo trabalhando em ritmo industrial.”
Entre as propostas do estilista, viraram hits absolutos as jaquetas de couro e as parkas militares com cordas náuticas pintadas a mão. Sobre as cordas, já dá inclusive para afirmar que são uma assinatura da marca, pois apareceram nas duas coleções desfiladas até agora e não param de surgir fashionistas procurando por peças estampadas com elas – Costanza Pascolato virou fã, assim como o ator Bruno Gagliasso, que levou sua jaqueta de couro com o desenho para o figurino de seu atual personagem, o Mário da novela global Sol Nascente.
Enquanto as cordas surgem como uma espécie de nova caveira, elemento-símbolo da carreira de Herchcovitch, o estilista reforça também nesse momento algumas de suas já conhecidas predileções. O militar, o xadrez, a alfaiataria, o esporte e a era Vitoriana, linguagens tão marcantes em suas coleções das últimas duas décadas, permeiam os looks, e em breve ele deve criar algo com lingerie. Para desenvolver parte das peças, que hoje vêm também de garimpos feitos nos Estados Unidos, na França, na Inglaterra e no Japão, conta com parceiros. Camisetas e moletons, por exemplo, são assinados em conjunto com a Hering. Os tênis, com a Converse, e os acessórios, com Hector Albertazzi. “São peças com o design da marca, mas executadas por eles. Fui atrás desse know-how porque faço todo o resto quase sozinho. Estou curtindo muito esse recomeço.”