Desde cedo, a vida se apresentou desafiadora para Ivan Santinho. Seu nascimento foi complicado. Gêmeo, foi o segundo a sair do ventre da mãe — veio ao mundo sem respirar e precisou ir direto para a UTI.
Depois, quando criança, foi mordido no rosto por um cachorro durante uma viagem em família ao litoral paulista. Sem conseguir atendimento rápido, foi sua mãe, médica, que suturou o ferimento às pressas com o que tinha disponível.
Já na vida adulta, quando se mudou para o norte da Itália para estudar gastronomia, teve complicações com um hemangioma (considerado um tumor benigno) justo quando sua carreira estava começando a decolar no país. A contragosto, voltou ao Brasil para realizar uma cirurgia, com o sentimento de ter deixado para trás uma grande oportunidade.
Anos depois, em 2020, já bem de saúde, viu o La Cura, sua empresa de eventos gastronômicos, ficar lotado de trabalhos contratados. No entanto, faltando semanas para inaugurar o espaço físico e realizar projetos gigantescos, veio a pandemia de Covid-19 e mudou todos os planos novamente.
Diante de tantas adversidades, não seria surpreendente se ele tivesse desistido em algum momento da sua trajetória. Apesar disso, o chef levou todos esses acontecimentos com a leveza com que costuma encarar a vida — e também suas criações na cozinha.
Encontrada na sua fala e nas sobremesas que cria para o cardápio de seus empreendimentos, a doçura é uma de suas marcas registradas.
“Minha mãe diz que tem uma relação diferente comigo no que se refere aos outros filhos — já desde o parto, que foi difícil. Quando fui mordido por um cachorro, eu falava: ‘Calma, mãe, tá tudo bem’. Acho que sou meio preparado para essas coisas”, conta Ivan com serenidade, enquanto se acomoda em uma das mesas do Baixo Gastronômico, seu mais novo empreendimento na Vila Madalena, em São Paulo.
“Eu fico muito nervoso no trabalho com coisas pequenas, mas se uma coisa grave acontece é impossível eu surtar; mantenho a calma e resolvo o negócio.”
Fartura e conforto no La Cura
Criado em Bauru, interior de São Paulo, foi na inquietude que Ivan encontrou motivação para seguir criando. Quando voltou da Itália para o Brasil, em 2009, a recomendação médica era de manter repouso — mas é claro que o chef não conseguiu ficar parado.
“Eu já estava de saco cheio, sem dores e me sentindo apto para trabalhar. Para mim, a referência de cozinha nunca foi um menu degustação ou o 50 Best, mas surgiu a oportunidade de um estágio no D.O.M. Na mesma hora, disse pra confirmarem o emprego que eu ‘dobraria’ minha mãe”, relembra o chef, que logo conquistou a vaga efetiva no restaurante do chef Alex Atala.
Foi dessa experiência e, posteriormente, de tantas outras na organização de banquetes para eventos memoráveis, que Ivan foi formulando sua marca na gastronomia.
“Nunca tive essa coisa da cozinha romântica, mas quando entrei na área foi um match. Minha paixão sempre foi receber”
Ivan Santinho, chef de cozinha
Pratos fartos, daqueles que abrem o apetite já pelo visual, repletos de ingredientes brasileiros e sabores que remetem às memórias mais reconfortantes — como um cuscuz paulista ou um bolo de chocolate repleto de camadas cremosas — são assinaturas de seu estilo na cozinha.
“O fato de minha mãe ter sido muito permissiva fez com que eu pudesse fazer de tudo, só não podia andar de moto”, dá risada. “Então eu tive uma infância muito livre, fiz curso de jardinagem, marcenaria… Estudei numa escola com abordagem [pedagógica] Waldorf, que desenvolve o manual. Isso fez toda a diferença”, conclui sobre sua habilidade como cozinheiro.
Mas não foi exatamente da comida que veio sua inspiração para estar na cozinha. Apesar de crescer vendo as mulheres da família sempre preparando algo, seus olhos realmente brilhavam ao receber pessoas. Na infância, seu lazer consistia em promover, ao lado do irmão Ricardo, festas na casa dos amigos: “Colocávamos gelo seco e corante no coquetel sem álcool e fazíamos toda a decoração”.
Anos depois, as festas tornaram-se reais, junto de sua vontade de trabalhar na área de entretenimento, e os irmãos passaram a fazer megaeventos para mais de mil pessoas. “Ainda éramos adolescentes e minha mãe fazia cheque caução pra gente comprar a bebida consignada”, relembra um tanto incrédulo.
A vontade de estar entre as panelas veio em seguida, muito ligada à paixão pelos fazeres manuais. “Quando entrei na gastronomia, nunca tive essa coisa da cozinha romântica, mas foi um match. Me identifiquei muito e percebi minha facilidade. O professor mandava fazer um corte que era parte dos fundamentos básicos da cozinha, e a galera ficava se ‘matando’, enquanto eu fazia com facilidade e me destaquei bastante. Assim, comecei a me apaixonar e ficar muito envolvido.”
Baixo Gastronômico
Além de ser um dos nomes mais conhecidos na área de eventos com o La Cura, Ivan conta hoje, aos 35 anos, com o serviço de rotisserie na loja física — que tem entre os clientes chefs como Paola Carosella, Rodrigo Oliveira e Tássia Magalhães — e está prestes a realizar um sonho antigo: ter seu próprio espaço para fazer o que mais ama, que é receber.
“O desejo era criar um espaço para unir as pessoas de forma com que ficassem à vontade. Minha paixão sempre foi essa”, explica sobre o local, que antes era uma vila de casas e hoje está preparado para receber apenas eventos pontuais.
O plano de Ivan é, muito em breve, servir cardápios especiais, incluindo brunch e feijoada, em dias específicos. “Nunca enxerguei como um restaurante, mas como um espaço híbrido. Não gosto da coisa automática, mas sim pensada, de saber quem está vindo aqui e servir como se fosse um quintal de casa.”
E num espaço criado a partir de tanto amor e sabores reconfortantes, fica mesmo fácil se sentir no próprio lar.
CRÉDITOS DE PRODUÇÃO
Texto Marina Marques
Fotos Bruno Geraldi
Edição de Arte Catarina Moura