“Eu nunca denunciei o meu agressor porque tenho medo da família dele, que é influente. Vivi um relacionamento abusivo e muito conturbado. Passei por diversos tipos de violência: física, verbal, psicológica e sexual. Fui agredida, mas mesmo assim continuava com ele por achar que ele era o melhor que eu poderia ter. Ele e a mãe dele falavam isso muitas vezes, que eu nunca ia encontrar um namorado melhor do que ele.
Hoje quero relatar apenas um dos episódios de violência.
Estávamos prestes a completar quatro anos de namoro. Pela primeira vez, eu dormiria na casa dele. Nos reunimos com os amigos dele antes disso. Eu estava passando por um momento muito difícil. Havia diversos fatores, ele também estava incluso. Estava tomando medicações para depressão e compulsão alimentar, então andava bastante sonolenta.
Quando chegamos à casa dele, avisei que iria dormir e fui. Na madrugada, acordei com ele com os dedos dentro da minha vagina. Muito confusa, tirei a mão dele, virei de lado e fingi dormir. No dia seguinte, ainda muito confusa, perguntei a ele porque ele tinha feito aquilo. No início, ele disse que eu tinha sonhado, que nada daquilo tinha acontecido, que era coisa da minha cabeça. Mas esse assunto não me deixava em paz, então resolvi questioná-lo de novo. Foram muitas vezes até, em uma briga, ele dizer: ‘Você queria o que? Eu estou com uma namorada que não quer fazer sexo comigo’. Isso me doeu mais ainda, porque não tive nem sequer direito a desculpas. Ele jogou a culpa em mim. Ainda assim, aquilo não foi o suficiente para terminar. Apenas depois de mais um ano eu consegui colocar um ponto final nesse terror.
Sinto remorso porque, ao não denunciar, tenho receio de que ele possa ter feito ou ainda fazer isso com outra mulher, mas também tento não me pressionar, pois precisei de um longo processo para entender que como vítima eu tenho o direito de me preservar. Você é vítima e ainda tem vergonha, medo de contar os absurdos e ter que lidar com os julgamentos.
A minha história também serve de exemplo para deixar claro que ninguém está imune à triste violência contra a mulher. Na época do acontecido, eu já era formada em Direito e ele estava concluindo o mesmo curso. Meus trabalhos na faculdade, em sua maioria, eram relacionados ao tema da violência contra a mulher. Sou de classe média, tenho apoio familiar, não dependia financeiramente dele e ele estagiava em uma Vara que cuidava de mulheres vítimas de violência doméstica.
Tudo isso não impediu que eu sofresse os abusos que sofri. Na época, demorei bastante para me entender como vítima de estupro pela pessoa que eu amava e que dizia me amar.
Apesar de tudo, quero concluir esta ‘carta’ com um final feliz, porque estou muito melhor hoje. A todas que lerem esse relato, acreditem, busquem ajuda, procurem os amigos, a família, façam terapia, peçam ajuda a Deus, o que vocês acharem necessário. Não se sintam só. Vocês têm quem as amem e possam te ajudar. Acreditem. Estou fazendo terapia e posso dizer que é a melhor coisa do mundo, me fez entender e processar tudo isso. A violência não acaba com o fim do relacionamento, mas tudo pode se resolver e vai dar certo.”
A partir de agora, CLAUDIA mantém esse canal aberto e oferece acolhimento para quem quiser libertar as palavras e as dores que elas carregam. Fale com CLAUDIA em falecomclaudia@abril.com.br.
*Nome trocado a pedido da personagem