“Minha mãe engravidou do namorado aos 17 anos. Logo que ele soube, a deixou e disse que não era o pai. Meu avô a expulsou de casa e ela tinha perdido a mãe aos 9 anos. Minha mãe sempre lutou para cuidar de mim, com a ajuda das minhas tias. Quando eu nasci, meu avô deixou a gente morar no porão da casa. Ele não ajudava com comida e ela me contou que passou fome.
Logo que fiquei maiorzinha, ela me deixou com as minhas tias para trabalhar. Como não conseguia nenhum emprego formal porque era mãe solo e sem experiência, foi trabalhar em uma casa noturna, fazendo programa. Ela conheceu meu padrasto lá. Eu tinha 4 anos quando ele começou a me molestar e um ano depois ele se casou com minha mãe e eles se mudaram para outra cidade.
Eu morei com meu avô nessa época. Ele era a melhor pessoa do mundo para mim. Algum tempo depois, minha mãe, grávida, me buscou para morar com ela. Foi aí que o filme de terror começou. Morávamos em uma chácara e meu padrasto abusava de mim.
Eu tinha tanta vergonha, mas acontecia bem debaixo dos olhos da minha mãe. Durou mais ou menos 6 anos. Eu cheguei a contar para ela, meio que sem querer. Estávamos assistindo a um jornal juntas e a matéria falava sobre abuso. Eu fiquei mexida e comecei a chorar. Minha mãe perguntou se já tinha acontecido comigo e eu confirmei entre lágrimas.
Ela chorou comigo e ficou desesperada, ligou para o marido e o xingou muito. Mas, de alguma forma, quando ele voltou do trabalho, a convenceu que não tinha feito nada. Depois de uma semana, era como se nada tivesse acontecido. Ele nunca mais mexeu comigo.
Na adolescência, viramos inimigos. Eu não tinha medo dele, mas sim que ele matasse minha mãe e meu irmão. Eu brigava muito com ele, pensava em me vingar. Quando eu tinha 18 anos, minha mãe engravidou de novo. Era uma menina. Eu senti tanta raiva da minha mãe. Ignorei ela a gravidez inteira, porque tinha certeza que minha irmã seria a próxima vítima.
Minha irmã tem 3 aninhos e sigo temendo que ela seja abusada. Isso acabou com a minha vida. Eu sei a dor que sinto até hoje. Minhas feridas não cicatrizaram. E não quero que ela sinta isso.
Não consigo ter uma relação amorosa com a minha mãe, ela ter aceitado a situação criou um bloqueio entre nós. Eu me sinto culpada porque sei que ela sofreu para cuidar de mim. Vou à casa dela toda semana e meu padrasto age como se nada tivesse acontecido. Parece que eu sou louca e inventei tudo. Não sei o que pensar, eu só procuro não lembrar dessa época.
Por muito tempo, fui infeliz e me sentia sem valor, já que muitas pessoas sabiam e ninguém me socorreu. Fiquei lá, sozinha, no meio daquela situação nojenta. Hoje, tenho 21 e estou casada com uma pessoa maravilhosa. Vou tocando a vida.”
A partir de agora, CLAUDIA mantém esse canal aberto e oferece acolhimento para quem quiser libertar as palavras e as dores que elas carregam. Fale com CLAUDIA em falecomclaudia@abril.com.br.
*Nome trocado a pedido da personagem
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