Kate Winslet como Rose em “Titanic”
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O que mais me marcou em “Titanic“, quando o filme foi lançado em 1997, não foram os efeitos especiais do naufrágio. Nem o romance. Mas a separação de classes no navio. Ricos na cobertura, pobres no porão. Com a volta da superprodução de James Cameron em 3D, para o centenário do acidente histórico, penso na pertinência dessa oposição em outra tridimensionalidade, a vida.
Na história, o aventureiro Jack (Leonardo Di Caprio) ganha, numa mesa de jogos, uma passagem para viajar na estreia do transatlântico. No navio, conhece Rose (Kate Winslet), uma jovem aristocrata, de família falida, noiva de um milionário por conveniência. O moço pobre e a menina da primeira classe se apaixonam e o resto você já deve saber.
Rose e Jack, a despeito de suas origens, compartilham os mesmos valores e, por isso, se apaixonam. Outro ponto importante, no entanto, é que os dois, protagonistas de uma história baseada em fatos reais, são fictícios.
Não é uma situação impossível, eu sei. A questão é que ser improvável, como um navio gigantesco bater em um iceberg e afundar. Quando acontece, parece coisa de cinema. Ou de novela: ela é rica, ele não, a família é contra…
Na ficção, a impossibilidade alimenta a paixão. Na realidade, por vezes, certas diferenças inviabilizam o encontro. Pense sobre quantos casais como o de Rose e Jack você conhece na vida real. Ou melhor, responda: com quantas pessoas de classes sociais diferentes da sua você já se relacionou?
Na verdade, não é preciso uma diferença radical de poder aquisitivo para uma distanciamento radical entre pessoas. Da classe média alta para a média ou desta para a média baixa, também pode haver oceanos gelados. Porque nossos hábitos de consumo são como castas, que nos mantêm separados. E, quando não é o dinheiro, a educação funciona como um marcador substituto de status. O gosto é um capital.
A recente ascensão de pobres à classe C no Brasil, uma classe média muito mais modesta do que nos acostumamos a imaginar, é um avanço social que ofende muita gente. Seja em aeroportos ou em redes sociais, os novos médios são vistos como invasores de um estilo de vida. Penetras cafonas. Primos pobres (só que médios) dos novos ricos.
No entanto, eles têm o dinheiro como passaporte. E quanto aos demais? Mesmo neste país informal, empregados como se fossem da família usam uniforme e a porta da cozinha. Será que Rose olharia para Jack no shopping? E se ele fosse negro?
Não sei se somos cínicos românticos ou românticos cínicos. Mas, em terra firme, o nosso amor leva em conta afinidades que não gostamos de admitir.
Leandro Quintanilha trabalhou no Estadão e no UOL. Hoje, escreve para revistas. Ele adora livros, séries e filmes, que prefere analisar pela perspectiva comportamental. Leandro confessa que acha muito esquisito escrever sobre si mesmo assim, na terceira pessoa.
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