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Rita Lobo: “Explicar o que é comida de verdade é revolucionário”

A chef, apresentadora e empresária quer ensinar o brasileiro a se alimentar com comida de verdade. Para isso, mantém site, livros, programas na TV e Youtube

Por Patricia Hargreaves
Atualizado em 30 jun 2017, 13h35 - Publicado em 1 Maio 2017, 09h00
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  • A sala de jantar do endocrinologista José Ignácio Lobo e de sua mulher, Maria Rita, era ampla. Nas festas em família, o casal reunia os dez filhos, respectivos cônjuges e 25 netos. Apesar da multidão, as refeições eram silenciosas. Todos falavam baixo em respeito aos hábitos formais do patriarca. Entre os comensais, a neta Rita, batizada assim em homenagem à avó, gostava de observar o prazer com que o avô comia seu prato favorito: sopa de ervilhas com paio. Meticuloso, só dava a primeira colherada quando as torradas, fatiadas com o pão francês da manhã, eram servidas. “Ele tinha um ritual muito legal, importante na construção do meu universo culinário: o prazer à mesa”, conta a chef, apresentadora e empresária Rita Lobo, 42 anos.

    Das refeições na casa da família, no Itaim, em São Paulo, ela herdou o gosto por todo o entorno do ambiente e uma tapeçaria, que volta e meia aparece no cenário de seu programa, Cozinha Prática, na oitava temporada no GNT. Rita é uma usina de produção de conteúdo com foco em comida. Não caia na besteira de dizer que é gastronomia. “É comida. Comida de verdade”, fala. Uma causa norteia tudo o que produz (e não é pouca coisa): ensinar o brasileiro a cozinhar. Simples assim. Para ela, essa é a chave para uma vida saudável e até mesmo feliz.

    A polêmica que protagonizou há pouco tempo, na internet, faz parte dessa cruzada. Ao responder a um internauta por que não ensina a fazer maionese com óleo de coco e iogurte, Rita foi direta e reta: “1) porque não é maionese; 2) trate de seu distúrbio alimentar”. Pronto, uma bomba polarizadora de opiniões foi detonada. Teve quem achasse o fim da picada, claro. Mas o tweet soou como alforria para boa parte dos internautas.

    Comida é fonte de saúde”, diz Rita, na sede do Panelinha, escritório com duas cozinhas profissionais, um estúdio, ilha de edição, redação, 20 funcionários (só dois homens) e um sócio: seu marido há oito anos, o jornalista e publicitário Ilan Kow, 46 anos. Nesses dois andares, a poucos quarteirões da casa dela e para onde Rita vai a pé, são produzidos os vídeos para o YouTube, o programa de TV, o site homônimo da empresa (e seus blogs) e os livros. O resultado em números: na internet, Rita é seguida por 1 milhão de pessoas; seus livros de receitas já venderam cerca de 500 mil exemplares (o mais recente, O Que Tem na Geladeira, lançado em setembro passado, está na lista dos mais vendidos de VEJA). Além dos próprios títulos, ela publicou pela editora que mantém com o Senac mais quatro, assinados por outros autores, todos sobre culinária, claro.

    A ex-modelo, que aprendeu a cozinhar nos anos 1990 em uma faculdade de Nova York, o Institute of Culinary Education, e foi dona de restaurante, acha que a luta pela alimentação inclui a batalha diária para levar os filhos tanto para a cozinha como para a mesa. Sem celular. É ali, conversando com Dora, 12 anos, e Gabriel, 15, as enteadas Gabriela, 17, e Daniela, 15, e o marido, que ela sente que a missão está sendo bem cumprida.

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    (Paschoal Rodriguez/CLAUDIA)
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    Como essa onda gourmet que vivemos nos últimos anos impactou nossos hábitos alimentares?
    Tenho a impressão de que essa tendência começou há uns dez anos, e era uma necessidade disfarçada de modismo. Na década de 1960, as mulheres cozinhavam; em 1970 e 1980, elas foram trabalhar fora de casa e a indústria vendeu a ideia de que cozinhava por você ao entregar industrializados. No Brasil, não foi bem assim porque até pouco tempo havia mão de obra doméstica acessível. Aumentou a obesidade e percebemos que, do jeito que ia, não dava. Eu me formei em 1995 e comecei a escrever sobre comida na Folha de S.Paulo no ano seguinte. Até então, só CLAUDIA COZINHA tinha conteúdo sobre o tema. Aos poucos, os meninos começaram a cozinhar e, depois, as meninas. Trouxemos de volta para dentro de casa esse ato tão essencial. E deixou de ser uma coisa de submissão ao marido, como na época da minha mãe. O raio gourmetizador teve sua função. Mas, como todo modismo, vem caindo no ridículo.

    Seu foco é esse retorno às raízes?
    As pessoas não sabem mais cozinhar. Por isso, minha insistência em ensinar o básico. É bacana fazer risoto, mas seria mais legal antes dominar o arroz com feijão, os legumes, as verduras, para depois variar. A nutrição moderna mostra que os países com padrão alimentar tradicional estabelecido apresentam os menores índices de obesidade. A dieta mediterrânea, por exemplo, é a mais conhecida porque foi a mais estudada pelos americanos, que não têm padrão alimentar tradicional e estão sempre tentando inventar uma dieta nova, importar. Japão, França e Espanha são lugares com padrões fortes, que ajudam a blindar a população contra a comida pronta industrializada, as dietas malucas dos fat free, glúten free, sem lactose e sem graça. São povos mais saudáveis. O padrão alimentar tradicional do Brasil era maravilhoso até trocarmos a comida de verdade pela industrializada. Quem está procurando uma alimentação saudável precisa aprender a fazer os básicos da cozinha. E prestar atenção nas pegadinhas da indústria, como caldo de tablete, molho de tomate com o “caseiro” no rótulo. Vire o rótulo e veja que é cheio de conservante, química.

    Você lê todos os rótulos?
    Compro pouca coisa pronta; eventualmente um molho inglês ou coisa do gênero. O problema dos aditivos usados pela indústria é que eles incluem uma gororoba que simula sabor, textura e aroma de comida de verdade. Só que não tem nada a ver com o original.

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    (Paschoal Rodriguez/CLAUDIA)
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    Você fala do lado técnico e do social da alimentação com propriedade. Estuda muito?
    Sim. Além disso, o Panelinha tem uma parceria com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, que há 30 anos observa a alimentação dos brasileiros. No meio da década de 1980, eles notaram que os índices de obesidade estavam crescendo e cruzaram com um dado da Pesquisa de Orçamento Familiar que apontava uma queda no consumo de açúcar, sal e óleo. Ficaram intrigados porque, naquela época, esses itens eram os vilões da alimentação. A conclusão foi essa troca da comida caseira pelo fast-food ou o congelado industrializado. Eles entenderam que não adiantava falar que a pessoa precisa comer três porções de carboidrato, duas de proteína e apenas uma de gordura. A população não é doutora em nutrição. Então, como faz para garantir uma alimentação saudável? Explica a diferença entre comida de verdade e de mentira; aí está a grande revolução. Você não terá mais dúvidas entre um biscoito light ou uma barrinha de cereais. A resposta é: nenhum dos dois. Coma uma fruta, um pão com queijo, algo de verdade.

    Sua missão é garantir que essa informação chegue ao público em geral?
    blog Alimentação Saudável, dentro do Panelinha, publica diariamente uma dica baseada nas informações científicas do Nupens. E, de certa forma, esses estudos norteiam o conteúdo que produzimos. Além disso, há 17 anos estou em contato diário com os leitores. Sei quais são os obstáculos que os afastam da cozinha.

    E quais são?
    A conversa sobre alimentação ficou de escanteio. Quando alguém me fala “não tenho tempo para cozinhar”, ouço “não sei cozinhar”. Depois disso vem a falta de entendimento do que é saudável. É muito cômodo comprar lasanha light. Mas, se você olhar um pouco além, perceberá que não é bom. Cozinhar é uma ferramenta para uma vida mais saudável e até mais feliz.

    Você se considera uma alfabetizadora culinária?
    Costumo dizer que cozinhar é como ler e escrever: todo mundo deveria aprender. Não nascemos sabendo. Acho machista a história de que é um dom – é um jeito de resumir isso ao feminino. Voltando à analogia, claro que alguém vai se tornar autor, cronista, o Antonio Prata da cozinha; e outro não conseguirá nem fazer um e-mail direito, vai preferir mandar mensagem de voz.

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    Mas cozinhar dá trabalho mesmo…
    Sim. Para fazer um prato, tem de ir ao mercado, à feira. Como tudo na vida, precisa de planejamento e divisão de tarefas ou não há alimentação saudável. No caso dos solteiros, a divisão de tarefas é suprida pela quantidade menor a ser produzida. Num fim de semana, você cozinha um panelão de feijão e divide em porções, que podem ser refogadas a cada dia com algo diferente: alho- -poró, alho, cebola… Nas famílias, dividir as tarefas não é dizer: “Meu marido me ajuda. Ele seca a louça” (risos). A responsabilidade pela alimentação é de todos os adultos da casa, até mesmo a de trazer as crianças e os adolescentes para a cozinha e para a mesa.

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    (Paschoal Rodriguez/CLAUDIA)

    Como isso acontece na sua casa?
    Nossa casa é zero padrão. Até porque no Panelinha tenho quatro cozinheiros testando receitas praticamente todo dia. Brinco que é o único lugar onde se leva marmita do trabalho para casa. Nos fins de semana, o Ilan é muito mais dono da cozinha do que eu. Para ele, cozinhar é terapêutico. Mas também tem momentos em que não posso contar com ele. Num dia em que ficou doente, banquei a iídiche mama: fiz um monte de caldo de galinha. E um quibebe de abóbora cabotiá com sálvia e um rosbife gigante, que dividi em pedaços e guardei parte no freezer para descongelar durante a semana. Quando tem gravação, uma vez por semana, chego depois das 22 horas e só quero banho e cama. O ambiente no estúdio é quase hostil. São 15 pessoas debaixo de luz forte, cheiro de comida. Se transpiro, tem que retocar a maquiagem. As pessoas perguntam: “Como você faz para não se sujar?” A Gloria Steinem (jornalista americana e ativista feminista) diz que não se deve acreditar em tudo que se lê. Acrescento: “Nem em tudo que se vê na televisão”.

    E a alimentação dos filhos?
    Segue o padrão brasileiro: arroz, feijão, arroz integral com grão-de- -bico, uma carne, legumes, verduras.

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    Eles cozinham?
    A Dora é uma superboleira. Faz de olho, pega o que estiver na cozinha, mistura e sai maravilhoso. Eu preciso de medidas! A Gabi, filha do Ilan, faz pães incríveis, quer aprender os básicos e é quem mais ajuda no fogão. Os outros são responsáveis por mesa e limpeza. Mesa cheia é legal – e uma vitória para nós!

    Como é trabalhar com o marido?
    Conversamos muito antes de isso acontecer, em 2014. Tenho enorme admiração profissional pelo Ilan. Mas ele tinha um ciclo a cumprir e só veio quando sentiu que estava pronto. Foi na mesma época em que comecei a produzir o programa. Fazemos tudo muito juntos. Neste ano, nos tornamos sócios. O brasileiro é tão machista que no início vinham me perguntar se ele ia ser meu agente. Ou se ia se encarregar do financeiro. A visão é de que o homem cuida do administrativo e a mulher do criativo. Na verdade, ele é muito mais criativo do que eu, e sou muito mais executiva do que ele. Trabalhamos juntos porque temos um propósito comum, que não é só um negócio para ganhar dinheiro. A gente se sente construindo um projeto de educação. O Ilan tem uma visão estratégica muito forte. Sou mais mão na massa.

    É unção divina você ser magra?
    Não é! O que falo é o que faço. O segredo é a quantidade. Mas tem a genética também – meus pais são magros. E tem histórico: cresci numa casa estruturada de alimentação super-regrada. Mantive isso.

    Deve ser difícil manter essa rotina aqui, com essa oferta toda.
    É um inferno! A única solução é comer metade do que poderia. Por exemplo, numa época eu queria achar a massa de torta perfeita. Naquela semana, experimentei todas, e o jeans terminou meio apertado. Aí não tem magia: precisa segurar. Não gosto de ginástica. Mas ando pra burro. Faço tudo a pé.

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