É provável que KondZilla não seja um nome familiar para você. Entretanto, é muito provável que algum conteúdo da produtora criada por Konrad Cunha Dantas, o Kond, tenha chegado até seu computador, celular ou televisão. Trata-se de uma gigante nacional, responsável por gerenciar a carreira e produzir os clipes da maioria dos artistas do novo funk brasileiro.
Antes de torcer o nariz, entenda: Kond defende uma veia diferente do estilo musical. Em seus vídeos não aparecem mulheres dançando de maneira sensual. Usando biquíni? Só se tiver sentido, se o enredo se passar na praia ou na piscina. Palavrões também não têm espaço. E nem cogite sugerir uma cena de violência ou que mostre armas e drogas.
“A verdade é que a gente vai amadurecendo e tendo mais compreensão sobre a própria produção. Apesar de eu não escrever a música, entendi que tenho o que chamo de responsabilidade solidária sobre o conteúdo. Eu estou, de alguma maneira, propagando aquilo. Então, aproveito minha participação para influenciar no resultado audiovisual”, explica.
Nascido no Guarujá, litoral de São Paulo, Kond tem agenda apertada. Comanda 200 pessoas no escritório onde, além de produzir todo tipo de mídia (inclusive um portal de conteúdo voltado para o público que consome seus vídeos), mantém uma marca de roupas, a KondZilla Wear, cujo estilo reflete a cultura do jovem da periferia.
Acumula também o cargo de diretor artístico da Orloff, marca de vodca nacional, para o qual foi anunciado em fevereiro. E, ainda este ano, estreia na Netflix à frente de uma série criada por ele, Sintonia. “Fiquei oito meses sem ir à empresa, só me dedicando ao projeto do seriado. Isso só é possível porque tenho um time muito confiável, e mantemos comunicação constante por WhatsApp”, diz.
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A flexibilidade é característica dele, que sempre sonhou em trabalhar com música mas entendeu cedo que tocar instrumentos e cantar não eram seu forte. Achou seu nicho – resolveu fazer tudo aquilo que queria ver aos 15 anos mas não tinha acesso – e cresceu. Hoje tem o quarto maior canal do YouTube do mundo, com 47 milhões de inscritos e 21 bilhões de visualizações.
Mas a ambição vai além. Na biografia do Instagram (@kond), dias antes desta entrevista, descrevia-se como “futuro astronauta”. “É uma graça com essa coisa de que cada um pode ser o que quiser; basta falar e pronto, virou. Coisa dos tempos em que vivemos”, explica. Gosta mesmo, contudo, de ser reconhecido, receber a chancela de alguém. “Na minha empresa era fácil, eu podia ser o que desejasse. Quis uma função fora de lá para ser desafiado.”
A ousadia em migrar de lugar e experimentar em áreas instáveis e inéditas o fez aprimorar a habilidade de lidar com críticas. “Eu me engajo bastante com quem acompanha meu trabalho. Nem sempre, porém, são avaliações construtivas. Às vezes é só para chamar minha atenção ou abrir um canal de comunicação para me mandar uma música própria. Quando vem algo bom, reconheço. E isso me alimenta criativamente, me faz refletir e elaborar coisas novas”, diz, acrescentando que foi em uma situação dessas que surgiu a ideia para o roteiro de Sintonia.
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Canal direto
Kond não é de sorriso fácil. Sério, compenetrado, às vezes parece avesso às câmeras, apesar de estar acostumado a elas. Pensa bastante antes de cada resposta, mas não mede as palavras. “Favela Venceu” é seu lema. “É uma projeção da vitória, na verdade. Quer dizer que vai rolar de qualquer maneira. Uns chamam de sorte, outros de física quântica, maktub, fé, energia, frequência. Eu acredito em tudo isso. Se tem muita gente crendo em algo é porque deu certo. E tudo precisa ser respeitado: religiões, ensinamentos, ditados populares”, afirma.
Esse olhar aberto, sem preconceitos, garante a ele também uma fatia gorda de mercado que normalmente é ignorada, a da periferia. “Não tem site, revista, veículos específicos pra esse pessoal. Nós começamos e abrimos o caminho, mas mesmo assim pouca gente veio atrás”, conta. Ele credita o grande número de acessos à linguagem específica, que fala diretamente com o público. “Fizemos uma pauta explicando como entrar na faculdade, o que é Sisu, Fies, Enem. Nos sites oficiais não dá para entender. Então usamos as gírias, nosso jeito de falar. ‘Brother, se liga, é assim e tal e tal…’ Outra vez, tratamos dos cursos profissionalizantes, e uma escola nos ligou agradecendo porque aumentou a procura”, destaca.
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Ele sabe e defende que só educação e amor podem transformar a sociedade. Foi a lição que aprendeu em casa. Quando a mãe morreu, deixou para ele o dinheiro do seguro de vida, que Kond investiu em sua formação e em equipamento de filmagem. “Eu tinha 11 anos e uma gravadora, praticamente. Minha ideia era fazer acontecer, juntar toda a galera, fosse da igreja ou da minha rua, e viabilizar as músicas”, lembra.
Mas não lhe agrada essa imagem de homem de origem humilde que se fez sozinho. “Essa é uma construção que a mídia elaborou. Nem rei toma decisões sem consultar os outros, que dirá eu”, diverte-se. Sua experiência é no coletivo, entendendo e estudando o comportamento dos outros. É por isso que condena o medo, que tem sido difundido ultimamente na tentativa de coibir grande parte da criação no país.
“A arte é viva, é orgânica. Ela se transforma de acordo com a situação política, de educação, social. A gente está vivendo um momento bem distinto. A política está de um lado e a arte e os movimentos sociais do outro”, diz. “Há interesse em nos barrar, em evitar que saibamos outras línguas, que tenhamos tanto acesso à informação. Mas nesses momentos difíceis a arte aflora.”
As ameaças não o assustam. Pelo contrário, os exemplos fortalecem seu otimismo com o futuro e o incentivam a continuar trabalhando pela mudança. “Vejo casos de pessoas que mudam o status quo, o que está definido para elas, e o impacto em casa, na comunidade é muito grande, poderoso. Imagina em larga escala. É com isso que quero contribuir.”
*Edição de moda: Fabio Ishimoto (OD MGT) | Styling: Carol Camocardi | Beleza: Raul Melo (Capa MGT) | Assistente de beleza: Silmara Melo | Assistente de fotografia: Henrique Lambiazi | Tratamento de imagens: RG Imagem | Kond usa: Casaco, Felipe Fanaia; calça, Ricardo Almeida; relógio e tênis, acervo pessoal.
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