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Paulo Rocha: “O amor não deixa de existir por causa de diferenças”

Em sua terceira novela brasileira, Paulo se sente 100% adaptado ao nosso país, praticamente não tem mais sotaque e adotou hábitos típicos de quem sempre morou no Rio de Janeiro. Tanto que não é difícil encontrá-lo malhando nas praias da zona sul.

Por Carla Ghermandi (colaboradora)
Atualizado em 22 out 2016, 18h58 - Publicado em 3 jan 2015, 06h00
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  • Embora esteja discretamente empenhado em não parecer retraído demais ou inacessível, a timidez é evidente. Paulo Rocha escolhe muito bem as palavras que vai usar e abaixa os olhos azuis antes de dar qualquer resposta. Preocupado em se fazer entender, conta que esse temperamento introvertido ele sempre teve. Mas o ator português de 37 anos afirma que sua mudança para o Rio de Janeiro tem provocado pequenas revoluções. Para explicar o fenômeno, ele começa comparando como lusitanos e brasileiros encaram as vicissitudes da vida de forma diferente. “Ah, para nós, tudo é um fado, é infelicidade. No Brasil, não: as coisas acontecem, mas a gente vai lá e, se não tem caviar, come coco, entende?”, diz encerrando o discurso ufanista às avessas com um largo sorriso. “Eu era bem mais fechado do que sou hoje, e essa mudança devo à convivência com as pessoas daqui, que são mais abertas. Ainda estou na luta, pois três anos não transformam uma vida inteira.” Para Rocha, no entanto, o importante é que ele já deu os primeiros passos no processo para se tornar “mais feliz, melhor e mais amável”. E a metamorfose interior acabará refletindo no mundo lá fora: “Com isso, também farei os outros mais felizes”.

    As coisas têm acontecido muito naturalmente. Até porque no Rio, segundo o ator, tudo ajuda. Por exemplo, basta andar e observar a beleza da cidade para se sentir alto-astral. “Talvez eu esteja mesmo virando carioca”, conclui. Paulo Rocha desembarcou no país em 2011 direto para o elenco de Fina Estampa. Veio a convite do próprio autor da novela, Aguinaldo Silva, e pegou, é claro, o papel de um português. Quase no final da trama, porém, assinou um contrato de quatro anos com a Rede Globo e, então, fez questão de prometer que perderia o sotaque em três meses para encarar desafios mais diversos. Cumpriu a meta à custa de um trabalho intenso de fonoaudiologia e, em 2012, voltou ao ar no remake de Guerra dos Sexos, novela de sucesso de Silvio de Abreu, no qual integrava um triângulo amoroso com Mariana Ximenes e Reynaldo Gianecchini. Agora está no ar em Império como um brasileiro nato, o pintor e falsificador de quadros Orville.

    O ator até tinha carreira consolidada em Portugal, no teatro e na TV. Assim mesmo, quis atravessar o Atlântico. Um dos principais atrativos no novo continente era a psicóloga Juliana, 30 anos. Reservado, o ator não gosta de falar sobre seu relacionamento amoroso, mas volta e meia cita a namorada. “Juju é linda demais”, elogia. “Juju é tão madura que acabo achando que tem mais idade.” E segue se declarando aqui e ali: “Não tem como não ser apaixonado”. Os dois se conheceram poucos meses depois da chegada dele ao Rio. Estão morando juntos, “felizes” e talvez até oficializem a união. “O ritual não é necessário para mim, mas não vai me incomodar se ela quiser.” Ser pai ainda não é um plano com data marcada, até porque Paulo Rocha acredita que, quando for a hora, vai acontecer e pronto. Para ele, o essencial em um relacionamento é cultivar o diálogo. “É por meio dele que você cria empatia com o ponto de vista do outro.” E tudo bem que os dois pensem diferente. Só não vale divergir com a intenção de ferir o parceiro. “O amor não deixa de existir por causa das diferenças. É muito importante ter essa bondade um com o outro”, avalia.

    Com o mesmo tom analítico, ele fala do “grande barato” da profissão. “Seu olhar vai mudando. Ao viver esse pintor, fiquei mais sensível à beleza das coisas simples. Passei a olhar para as árvores, por exemplo, de um modo novo”, diz. “Há mais de 50 tipos de verde.” Fez laboratório para o personagem em Portugal, com o pintor José Manoel Costa Reis, seu ex-professor de cenografia na Escola Profissional de Teatro, em Cascais, que cursou nos anos 1990. Desde o primeiro momento, Rocha se encantou com o mestre e logo quis adotá-lo como pai. O professor tinha um jeito especial de apresentar aos alunos as belezas que enxergava na vida, era sensível e generoso. Quando Rocha machucou o pé, ele o levou no próprio carro a um médico em Lisboa. Uma profunda amizade nasceu naquele episódio e ultrapassou a sala de aula. “Esse olhar humano, de compaixão, fez com que o mestre preenchesse outro espaço”, avalia. “O afeto com que eu o olhava também foi comovendo-o e, certamente, preencheu uma lacuna que nem ele mesmo sabia que tinha. Fomos nos aproximando e nos adotamos.” Mas nada oficial. “Foi uma adoção de boca, não entrou dinheiro, não fomos morar na mesma casa. Mas ele se preocupa comigo até hoje. Existe uma relação paternal.”

    O enredo digno de novela explica os vazios afetivos. Mas o ator frisa que não se sente vítima por nada do que passou. Seus pais eram jovens demais quando ele nasceu e, sem ter como criá-lo, cada um foi para o seu lado. Até hoje, Rocha não conseguiu estabelecer uma relação próxima com a mãe. “Não acho isso bom nem mau. Será resolvido quando tiver que acontecer”, resume, sem esticar o assunto. “Pode parecer que sou um coitadinho, mas não sou”, justifica. “Tenho uma história maravilhosa. Minha vida foi rica em afetos e disponibilidade humana.”

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    Quem cuidou dele foi um casal de avós postiços – na verdade, amigos da família. Quando ela morreu, porém, o marido, já muito idoso, não estava mais apto a se responsabilizar pelo então adolescente de 14 anos – que acabou sendo mandado para uma instituição destinada a crianças em situação de vulnerabilidade, a Casa do Gaiato, em Setúbal, sua cidade natal. Ali, durante três anos, viveu com padres sob uma rígida disciplina, que incluía suar em plantações e em obras. A descoberta das artes dramáticas aconteceu nessa fase. Inicialmente, admite que não foi movido por um chamamento da vocação, mas por certo pragmatismo. Achou que o ingresso no grupo teatral que se apresentava anualmente para angariar fundos para a instituição o faria dar menos duro na vida. “Que nada! Trabalhei muito, só não sentia tanto porque me estimulava”, recorda-se. Enquanto conta o episódio, ele parece ter uma revelação. “Engraçado, por muito tempo pensei que só fui fazer teatro para não ter de acordar tão cedo e plantar batatas. Curiosamente, foi uma escolha que chegou a mim sem eu ter de refletir. Todas as minhas experiências fizeram com que, de modo inconsciente, optasse profissionalmente pelo que mais gostava, sem um processo racional”, diz. Em seguida, o ator brinca: “Olha, estou fazendo terapia, e sem pagar!”

    A decisão também teve um componente de rebeldia: não era permitido namorar na Casa do Gaiato, e o rapaz não se conformava de não poder sair à noite com a menina que era seu affair juvenil. “Eu era obediente, cumpria regras e acreditava que tinha de existir uma troca. Fiquei muito magoado e resolvi ir estudar teatro em Cascais.” Aos 17 anos, o aspirante a ator foi morar com uma tia, mas logo conseguiu uma bolsa de estudos e alugou um quarto ao lado da escola. Houve momentos de aperto, mas ele nunca se desesperou. “Na época, o instinto de sobrevivência falava mais alto e não parava para pensar se tinha ou não maturidade. Sempre procurei me espelhar no melhor das pessoas e acabei tendo uma boa formação.”

    Hoje, com a carreira a pleno vapor, Rocha pode se dedicar a cuidar da mente e do corpo com esmero. O ator costuma se entregar a momentos de autorreflexão e a leituras sobre filosofia. Não descuida das sessões de fono e, em clima de carioca da gema, pode ser visto se exercitando nas praias da zona sul. Ou passeando com a namorada e admirando a paisagem. Fã de futebol, ele torce em sua terra natal pelo Benfica. Por aqui, diz ter analisado muito antes de escolher o Botafogo. Mas logo se entrega: “É o time da Juju e de sua família”. Pois olha ela aí outra vez.

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