Certa vez, Carrie Frances Fisher, morta tragicamente de ataque do coração nesta terça-feira, 27, aos 60 anos, disse: “Eu não quero minha vida imitando a arte, quero que minha vida seja arte”. E foi exatamente o que ela fez.
Filha da atriz Debbie Reynolds e do cantor Eddie Fisher, ela nasceu em Hollywood. E, sim, apareceu, de fato, pela primeira vez, em “Star Wars: Uma Nova Esperança (1977)”, bem novinha, aos 19 anos. Pronto, o mundo inteiro se colocou aos pés dela.
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Porém, a Princesa Leia não era qualquer personagem, não. Única em uma época na qual mulheres dificilmente protagonizavam blockbusters, o legado dela precisa ser reconhecido.
O papel, interpretado com maestria pela estrela, revolucionou como as mulheres podem ser representadas no cinema e pavimentou caminho para muitas heroínas que apareceram depois na cultura pop.
Ela inspirou milhões de meninas ao redor do mundo ao provar que uma garota não somente poderia liderar uma rebelião, como empunhar melhor do que qualquer Jedi um sabre de luz, pilotar uma nave e nunca, nunca ter medo de dizer a quem quer que seja o que pensa. Um indiscutível ícone feminista.
E muito disso tudo, óbvio, graças ao talento de Carrie. Um exemplo? Mesmo obrigada a usar aquele infame biquini dourado em “O Retorno de Jedi (1983)”, o olhar de Leia, em nenhum momento, demonstra fraqueza em relação a Jabba the Hutt. Pelo contrário, apesar da roupa, ela não se conforma com a objetificação e a desafia.
Sobre esse episódio aliás, para a revista Rolling Stone, na época, ela deu uma declaração espetacular sobre o motivo dela gravar em trajes mínimos e o porquê de Leia ser chamada [ridiculamente] por muitos haters de “puta do espaço” apenas por causa da personalidade forte da personagem:
“Ela não tem amigos, nem família; o planeta dela foi explodido em segundos – junto com o cabeleireiro dela -, então, tudo o que resta para Leia é uma causa. No primeiro filme, ela era simplesmente uma soldada, na linha de frente e no centro. E a única forma de deixar a personagem forte era deixando ela brava. Em “O Retorno de Jedi”, ela já aparece mais feminina, mais compreensiva, amável… Não se esqueça que esses filmes são basicamente ‘fantasias de garotos’. Então, o jeito que encontraram de deixar ela mais feminina era tirando as roupas dela”.
Bem, não à toa, no mais recente longa da franquia, “O Despertar da Força”, Leia surge como uma General…
Mas, óbvio, Carrie Fisher é muito mais do que Leia.
Em 1987, por exemplo, já recuperada do vício em cocaína, transformou os diversos problemas com drogas e a difícil relação dela com a mãe famosa em livro.
No romance autobiográfico “Postcards From the Edge”, posteriormente adaptado para o cinema e estrelado por Meryl Streep e Shiley Maclaine, revolucionou ao apresentar duas protagonistas femininas cheias de defeitos. Confusas, enfrentando fantasmas das drogas mas, sobretudo, humanas, elas poderiam ser consideradas, sim, anti-heroínas. E isso em uma época na qual as personagens mulheres deveriam ser perfeitas.
E essa honestidade e franqueza desconcertantes de Carrie sempre foram a melhor parte dela, principalmente em um mundo onde o parecer é mais importante do que o ser (oi, Hollywood!).
Ela não teve medo, por exemplo, de falar sobre como é ser uma pessoa com distúrbio bipolar. Pelo contrário, sempre jogou luz sobre a doença para conscientizar cada vez mais pessoas sobre o quadro. Nunca escondeu, também, o vício em álcool e drogas, chegou até a revelar estar drogada enquanto filmava Star Wars…
Mais recentemente, desabafou como é difícil ser uma mulher com mais de 50 na indústria cinematográfica e mandou um grande “vai tomar no c*” para todos que criticaram o peso dela em “O Despertar da Força”:
“Por favor, parem de debater se envelheci bem ou não. Infelizmente, fere meus sentimentos. Meu corpo não envelheceu tão bem quanto eu. Dane-se! Ele é um invólucro para o meu cérebro, me leva a lugares e pessoas que eu preciso ver e com quem conversar. Juventude e beleza não são conquistas, são uma felicidade temporária, produto do tempo ou do DNA.”
Muito além da atuação
O fato é que ela nunca se conformou em “ser uma fantasia de garotos” ou ser “apenas” uma atriz.
Escritora dona de um humor todo particular e cheio de piadas autodepreciativas (ela estava em turnê promovendo a autobiografia “Memórias da Princesa: Os Diários de Carrie Fisher”), era também uma roteirista respeitada.
“Mudança de Hábito (1992)”, sim, o clássico com Whoopi Goldberg, passou pela caneta de Carrie. Além disso, ajudou a construir as histórias das comédias “O Último Grande Herói (1993)” e “Afinado no Amor (1998)” e até mesmo “Star Wars Episódio I: A Ameaça Fantasma”.
Atriz, escritora, produtora, indicada ao Grammy pelo audiobook de “Wishful Drinking”… Fisher é uma sobrevivente que já conheceu o lado bom e ruim da vida. Mas mais do que isso: ela nunca se encaixou em estereótipos, recusou todos eles e nunca deixou que um corpo ou personagem a definissem.
Errou, acertou – e falou muito sobre isso -, trabalhou em diferentes vertentes, tentou fugir do fantasma que era ser filha de celebridades…
Carrie Fisher foi uma mulher à frente do tempo dela. Fez o que quis e conseguiu, enfim, o que sempre desejou: fez da vida dela a maior obra de arte de todas.