Cheia de vida, esperança e parcialmente imunizada contra a Covid-19. A atriz Christiane Torloni se define definiu deste jeito, no auge dos seus 64 anos, no dia desta entrevista.
Considerada a herdeira dos papéis da grandiosa Eva Wilma, a artista já estrelou mais de 25 produções somente na TV Globo, entre elas novelas, minisséries e seriados, além de seus trabalhos na extinta TV Manchete.
Com a dramaturgia em seu DNA por conta dos pais, os atores Monah Delacy e Geraldo Matheus, a arte sempre foi vital para a sua existência e conexão com o público.
Longe das câmeras por conta da pandemia, nos últimos meses, a atriz teve a oportunidade de rever trabalhos antigos, como Ti Ti Ti e A Viagem, reprisadas na Globo e no Canal Viva, e Mulheres Apaixonadas, que está disponível também no Globoplay.
Enquanto a saudade da atuação é amenizada com essas reexibições, a artista recebeu o convite para voltar aos palcos de uma forma diferente, porém familiar. A última edição da Dança dos Famosos, do Domingão do Faustão, tem Christiane no time dos grandes campeões da história da atração.
Em entrevista a CLAUDIA, atriz fala sobre o convite inesquecível para interpretar uma das Helenas de Manuel Carlos, temas atuais que poderiam ter transformado a novela nos dias de hoje, seu envolvimento com a causa ambiental na Amazônia e a preparação para voltar a dançar.
CLAUDIA: Mulheres Apaixonadas é sem dúvidas um dos maiores sucessos da Globo. A produção já foi reprisada duas vezes tanto no Vale a Pena Ver de Novo como no Canal Viva e, agora, faz parte do catálogo do Globoplay. Como é para você ver que a novela está ganhando espaço na casa dos brasileiros mais uma vez?
Christiane: Muito se atribui ao Manoel Carlos, que é um grande gênio da nossa teledramaturgia. Eu tive a oportunidade de rever a novela agora e fiquei chocada com a contemporaneidade com que determinados assuntos são enfrentados. A novela é corajosa em todos os sentidos, porque ela vai falar de costumes que até hoje não estão resolvidos, dado o ponto de vista da civilização. Quer dizer, nós não melhoramos enquanto pessoas, não evoluímos e esses costumes continuam aí. Nela, você vê questões gravíssimas que são discutidas, como por exemplo, violência contra a mulher e idosos, o que significa ou não a fidelidade nas relações, o que é uma relação aberta. A trama mostra uma sociedade moldurada por uma hipocrisia estruturante. O Maneco, como um grande mestre, apenas vai lá e põe o dedo na ferida. Esta é a marca das novelas dele: a coragem. Os personagens, precisam ser corajosos para fazer essas novelas, como Mulheres Apaixonadas, pois são alvos.
CLAUDIA: Como surgiu o convite para dar vida à personagem?
Christiane: Na verdade, eu ia fazer uma outra novela, mas houve uma mudança de grade na Globo e uma consulta para saber se eu gostaria trocar uma novela por outra. É uma coisa para a qual ninguém diz não. O Maneco perguntou se eu podia me encontrar com ele na segunda-feira para tomar um café. Era uma sexta, quando isso aconteceu, e eu disse: “claro, eu estou mesmo indo para o Rio” e ele disse: “Não, eu não estou no Rio, eu estou em Nova York”. Eu tinha que estar em São Paulo na outra sexta-feira para o espetáculo, mas eu disse: “Claro, aonde a gente vai tomar esse café?”. Marcamos então de nos encontrar no Central Park e no domingo, eu peguei o avião em São Paulo, acordei na segunda feira, escovadinha e me encontrei com ele. Tem várias fotos da gente no Central Park passeando, enquanto ele me contava o que ele via em mim que a Helena dele precisava ter. Eu pensei comigo mesma: “Esse homem me observa há anos e agora eu to pronta para ser a Helena dele”. Isso é muito raro. Dá para imaginar quantas histórias destas você ouve? Por isto, foi irrecusável, o papel e o café.
CLAUDIA: A figura da Helena possui traços frequentemente associados às mulheres: forte, assertiva, fiel às amizades, com a mente cercada por questionamentos e em uma busca incessante por algo renovador. Mas, diferente das “Helenas” anteriores, a sua não tinha uma vida certinha e premeditada. Quais foram as reações do público com esse novo padrão de Helena criado pelo Manoel Carlos?
Christiane: O público espera ser liberto pela arte e esta é a função essencial dela. As pessoas precisam de identificação para não se sentirem sozinhas nos seus problemas. Esses personagens das novelas são figuras como as do Nelson Rodrigues, que estão em todas as famílias e só mudam de endereço. A pessoalidade consola a alma, o coração e serve como um colo para as pessoas enquanto elas se identificam e vêem ali os problemas que elas têm. Por exemplo, em Baila Comigo, que é a novela em que a primeira Helena aparece, interpretada pela Lílian Lemmertz, e que, não coincidentemente, fiz a filha da Helena, você vê uma personagem que também era politicamente incorretíssima, porque ela é mãe de gêmeos gerados em um casamento que já chegou ao fim. Ela cria um desses filhos com o atual marido, enquanto o outro filho é criado pelo pai biológico. É uma escolha de Sofia e as pessoas se perguntavam: “que mãe é essa?”. É a Helena da novela! É incrível, porque essas Helenas existem. Elas estão por aí. A gente só tem que torná-las palpáveis, que é o que o ator faz com o corpo, o coração e a alma. A gente se empresta para elas, sem fazer juízo de valor, pois isso quem fará é o público. Eles é quem dirão: “essa é condenada, essa não é”.
O mundo mudou. Hoje o feminismo, as questões raciais e outras causas sociais estão mais latentes do que nunca. Você acredita que algum aspecto da novela seria diferente se ela fosse produzida atualmente?
Christiane: Olha, eu acho que ela seria ainda mais atrevida, abusada e corajosa. Eu revi uma cena nesta novela que me chocou tanto, em que a Lorena [Susana Vieira] e a Helena estão conversando em frente à sala em que o Téo [Tony Ramos] está internado. A Helena conta um pesadelo que ela teve. No devaneio, ela passava em frente à porta da sala de aula da escola em que é diretora para ver se estava tudo certo com a aula. Em vez de ver a professora dando aula com livros, ela via um homem na mesa do professor com várias armas em cima da mesa e dizendo que os livros e o estudo não significam nada, que o importante era ensinar como se porta uma arma, porque isso é que é útil na vida. Isso foi descrito há quase 18 anos e o que é que estamos vivendo agora? Uma corrida armamentista perigosíssima, uma catástrofe. Para mim, essa novela vai continuar fazendo muito sucesso, porque, infelizmente, os temas que ela aborda são muito atuais, há perenidade no trabalho.
CLAUDIA: Qual a parte mais marcante da novela na sua opinião?
Christiane: Eu tenho um amor enorme por essa novela, porque ela é um dos últimos trabalhos de dois grades atores já seniores, a Carmem Silva e Oswaldo Louzada, que faziam os avós. Nela se faz uma homenagem a esses primeiros grandes atores do Brasil. Quando eles entravam em cena, eu parava e ficava admirada com eles, no auge dos seus 90 anos, fazendo cenas enormes que o Manuel Carlos escalava. Eu tinha um amor quando chegava aquele momento da novela, porque era uma grande homenagem que o Maneco fazia a eles e a história do teatro no Brasil. Eram cenas lindas, em que os dois ficavam mostrando suas fotos novinhos, fazendo teatro. É uma coisa muito comovente. Além do mais, você tem a Bruna Marquezine com menos de 10 anos de idade em seu primeiro trabalho, tanto que eu posso dizer que coloquei ela no colo, literalmente. O amor que esse autor tem por seus atores é muito bonito. É uma novela que eu sou muito grata por ter feito.
CLAUDIA: Bom, vamos falar um pouquinho sobre a Super Dança dos Famosos. Como foi receber o convite em 2008 e quais foram as maiores surpresas ou superações que você viveu naquele palco?
Christiane: Em 2008, muita coisa estava acontecendo. O Brasil estava vivendo uma situação muito específica com o desmatamento da Amazônia, que era um escândalo. Por causa disso, eu estava encabeçando um abaixo-assinado, chamado “Amazônia para sempre”, junto com o Victor Fasano e o Juca de Oliveira. Na época, coletamos assinaturas para poder levar para o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. Eu também estava fazendo a novela Alto Astral. Então, quando veio o convite, eu estava cheia de trabalho, mas a novela ia ter um acidente com a personagem e eu ficar fora do ar três meses, que era exatamente o tempo de duração da Dança dos Famosos.
Já não dava mais para dizer não. Perguntei se existiria um espaço para falar sobre a causa da Amazônia no programa e o Fausto, que costuma abraçar campanhas, falou que eu poderia. Então, eu, literalmente, fui dançar pela Amazônia todos os domingos. Às vezes, estava lá nervosa, com medo e, antes de sair, ele puxava o assunto, perguntando como estava a ação e aquilo me acalmava profundamente. Foi incrível, porque bombou.
CLAUDIA: E como você recebeu o convite para retornar 13 anos depois?
Christiane: Foi diferente, porque, apesar de ser uma competição com várias pessoas que já ganharam, é um convite de despedida. O primeiro amor e encontro já aconteceu e houve uma vitória. Agora, é outro ritmo e história. O convite é irrecusável, porque é a despedida do programa e desse grande homem, que é o Fausto. É uma homenagem. Não estou indo para um octógono com meu cinturão, já que seria totalmente inadequado qualquer pensamento desta ordem.
Ainda tive uma surpresa, que eu acho que faz parte desse coração do Fausto, que foi a possibilidade de reencontrar meu parceiro, o Alvaro Reis, com quem eu não voltei a dançar todos esses anos. O público poderá rever um casal que ganhou, que dançou bem o suficiente para isso e que já tem uma sintonia orgânica. Agora, vamos trabalhar para poder fazer o mais bonitinho possível e alegrar as pessoas em casa, pois está todo mundo precisando desta cura, que a alegria e a arte nos proporcionam.
Com todos aqueles protocolos, vou poder sair dessa burca existencial que eu estou desde que começou a pandemia. Eu já tomei a primeira dose [da vacina], estou contando os dias para a segunda.