Ao contrário de sua personagem em Um Lugar ao Sol, Alinne Moraes é uma supermãe. Ensina desde cedo ao pequeno Pedro as razões da desigualdade social, conversa abertamente sobre o racismo estrutural, mostra a liberdade de ser e amar quem quiser e acreditar em tudo, menos em Papai Noel e fake news
Alinne Moraes não quer saber de trabalho por pelo menos uns dois, três meses. Com as gravações de Um Lugar ao Sol encerradas antes mesmo da estreia, dentro dos novos procedimentos estabelecidos por conta da pandemia, Alinne quer ficar totalmente de férias. Na sua rotina hoje, constam dois dias de exercício por semana, muito tempo para curtir o filho Pedro em casa, no Jardim Botânico, no Rio, e pequenas viagens, como a ida a Salvador no fim de ano, com o pequeno de sete anos e o marido, o cineasta Mauro Lima. Uma novela, que já tinha uma carga extenuante, se tornou ainda mais difícil com os protocolos. As primeiras leituras foram realizadas em meados de 2019 e, durante esses dois anos de ensaios e estúdio, as gravações chegaram a ser interrompidas com a alta de óbitos no início de 2021.
“Até acabar a novela eu não peguei Covid-19, fui ter depois, quando Mauro voltou a gravar e se contaminou. Tive muito medo de estar trabalhando naquele momento, mas ao mesmo tempo via meus amigos todos parados em casa com a cabeça explodindo. Poucas pessoas puderam ter esse privilégio de poder estar trabalhando com toda a segurança de testes e protocolos que a gente tinha.”
No auge da pandemia, Alinne mandou os funcionários para casa e se dividiu com o marido nas tarefas domésticas: ele com a cozinha e as roupas; ela com a faxina, as aulas on-line de Pedro e muitas brincadeiras para o filho não sentir tanto o peso do isolamento. “Não sou de família de classe média, minha mãe vendia doce de porta em porta. Sempre me coloquei no lugar do outro.” Alinne sabe, no entanto, da condição de privilégio que desfruta desde que passou a colecionar personagens de destaque em filmes, peças, séries e novelas da Rede Globo – um total de catorze, invariavelmente como protagonista. Também é rosto fácil de campanhas publicitárias, com a destreza de quem viaja desde muito adolescente pelo mundo como modelo.
Mas a origem simples de filha de professora no interior paulista, em Sorocaba, sempre manteve seus pés no chão. O que a contrapõe a Barbara, sua personagem na atual novela, que passa longe da compreensão de Alinne da vida real. Na trama, a mulher frustrada pela falta de conquistas e arrasada por não poder ser mãe é capaz de roubar um texto de uma mulher negra para apresentar algum talento à família. Em um dos diálogos, quando seu pai observa um comportamento preconceituoso de sua parte, ela nega imediatamente ser racista. “Como tantas pessoas brancas costumam fazer”, afirma Alinne. “Outro dia, andando com meu filho, umas dez pessoas vieram pedir dinheiro. Depois o Pedro me perguntou porque as pessoas pobres eram pretas. Eu tive que falar sobre a sociedade racista em que vivemos e mostrar que também somos responsáveis por isso. Precisamos olhar para as nossas feridas e responsabilidades, o racismo está entranhado na sociedade brasileira. É delicado explicar isso para uma criança, mas a gente não pode distorcer a verdade.”
Por falar em realidades, Pedro já sabe que Papai Noel não existe e encara com naturalidade tanto as relações homoafetivas quanto o fato de nem papai nem mamãe acreditarem em Deus. “O Pedro está aberto e livre para escolher ser e acreditar no que quiser. Outro dia ele perguntou para uma amiga se ela tinha namorado. Ela respondeu que não. E ele perguntou: ‘E namorada’? Na cabeça dele isso já não é uma questão. Apesar dele saber que não acreditamos em Deus, ele respeita todas as crenças e pode acreditar, se quiser. Mas Mauro provoca. Ao vermos um malabarista no semáforo, perguntou: ‘Se Deus existe, por que não está olhando para ele?’”.
A conscientização de Alinne se aprofundou na última década. “Minha mãe ganhava 9 reais a hora/aula e passou a ganhar 12. Não parece muito, mas é. As políticas sociais colocaram carne no prato.” Como em 2018, quando foi uma das milhares de mulheres que puxaram o “Ele Não”, ela faz questão absoluta de declarar publicamente sua posição nas eleições de 2022: “Espero que não faltem vacinas, que o Bolsonaro caia e que as pessoas não desperdicem seu voto. A gente precisa tombar o Bolsonaro. E a pessoa que é capaz de tombar esse homem é o Lula”.
Engrossando o coro zero neutralidade da atriz Samantha Schmutz, Alinne diz que não vê como não se posicionar diante do atual cenário. “Não se posicionar é se posicionar. Tinha uma peça que eu fazia do João Falcão que ele dizia: não fazer é fazer. Para além da profissional que eu sou, também sou uma cidadã e vou me posicionar independentemente de onde eu trabalhar.” Ela teve que sair de alguns grupos da família para preservar relações? Teve. Mas não se arrepende de ir na contramão de pessoas que vivem de notícias falsas disparadas em redes sociais, pelo contrário. Sua personagem, Barbara, ela lembra, também se encontra nesse lugar de mentiras: vive com um homem pensando ser outro, transa com um homem que acredita ser o irmão, que está morto. “Ela está vivendo e vai viver muitos anos sem saber a verdade. Ela foi praticamente estuprada por um homem que não conhecia, que achava ser o seu verdadeiro marido. Essa sanidade mental vai ter um preço alto quando ela descobrir”, compartilha Alinne.
A obsessão por ser mãe de sua personagem na novela é algo cruel que atinge muitas mulheres na vida real. Ela conta que Pedro ainda tinha acabado de nascer e as pessoas já perguntavam: “E o próximo?”. “Como se fosse fazer um pão de queijo. Para a mulher é sempre mais cruel, ninguém cobra um homem de ser pai. Mas hoje em dia, com a possibilidade de congelamento de óvulos e com mulheres assumindo não quererem ter filhos, a gente acaba se sentindo mais igual. Eu não sei se quero ter outro filho. Meus avós tiveram um orfanato, cuidaram de muitas crianças. Outro dia eu estava lendo sobre os órfãos da Covid-19. São muitas. Então, se tiver outro filho, vai ser mais por esse caminho.”
“Não quero ser só a mocinha ou a vilã sexy. Também quero ser mãe, avó, bisavó”
Com 39 anos, recém-completados em 22 de dezembro, a atriz capricorniana reclama da injustiça de fazer aniversário nos últimos dias do ano, em especial nesse em que mal chegou aos 39 e já fica marcado como “o ano que você faz 40”. Se do corpo ela cuida à base de ioga e alongamento, um dos rostos mais bonitos da televisão brasileira já se permitiu pequenas intervenções com botox. “Por fazer muitos papéis de vilã, não posso perder as minhas expressões – e a minha médica é totalmente contra as injeções que paralisam o rosto. Eu já fui modelo, não adianta tentar manter uma beleza que já foi. Outras coisas vieram e eu admiro a estranheza e as diferenças. Várias amigas vêm me falar para eu preencher minha olheira. Não quero, eu aaaamo minha olheira. Tenho entendimentos sobre beleza bem diferentes. E eu quero fazer mãe, avó, bisavó, não quero ser sempre a mocinha ou a vilã sexy”, reflete.
Contracenar como casal com o ex Cauã Reymond não foi problema nenhum, inclusive. “Um casal numa novela tem que ter uma intimidade, não tem como ter um bloqueio, uma energia travada. E aconteceu porque realmente sempre esteve tudo bem resolvido. Claro que toda separação é complicada, mas ambos estavam realizados quando separamos. Nunca deixei nenhuma relação minha chegar num ponto de nem se olhar na cara. É triste você amar tanto uma pessoa e deixar chegar nesse lugar da raiva. Tem que pular fora antes, porque isso é respeito, é entender o outro. Eu conheci o Cauã com 12 anos. A gente era da mesma agência e eu namorava um amigo dele e ele, uma amiga minha. Depois estudamos juntos. A gente nunca se perdeu de vista, temos muitos amigos em comum. Ele cresceu, eu o vi se transformar num homem e num ator maravilhoso. A gente sabia desde a primeira leitura da novela que isso despertaria curiosidade do público. E quando a gente tá contando uma história bem, a gente quer enganar o público. Mas essa confusão é apenas do telespectador. A gente se divertiu e riu muito em cena.”
Há uma década com o atual companheiro, Alinne é uma mulher de cabeça e peito abertos. Diz não haver espaço na relação para o ciúmes, deixado num passado distante. “O amor está em você deixar o outro ser. Eu me apaixonei pelo o que o Mauro é. Eu já passei pelo ciúmes. Hoje, se uma outra mulher estiver admirando meu marido, eu acho lindo. Quero os olhos do meu marido brilhando. Não tem como tentar fazer como tantos homens machistas fazem de colocar a mulher num lugar para que ninguém sinta nada por ela. Eu quero mais é que a pessoa que eu amo seja incrível para todos, que todos vejam o que eu vejo nele. E isso é recíproco. Sinto o Mauro muito feliz quando ele lê que eu estou atuando bem ou que eu estou linda.”
“Na minha família, nunca foi um tabu você ir atrás do seu prazer”
Feliz com a repercussão de Um Lugar ao Sol, ela comemora que a cena da masturbação feminina interpretada pela colega Andréa Beltrão tenha ido ao ar, viralizado e provocado a sociedade. “masturbação feminina ainda é um tabu, por isso acho super importante que uma novela que se comunica com a grande massa tente quebrá-lo. Na minha família, você ir atrás do seu prazer nunca foi um tabu. Em tudo na vida: amigos, profissão, casamento. Uma mulher tem desejos até o fim, ela não precisa de homem para absolutamente nada. A gente tem relações para somar. Esse autoconhecimento tem de deixar de ser tabu, independentemente da idade. Você precisa se ajudar, pois quanto mais você se tocar e se conhecer mais prazer você vai sentir. Masturbação é como escovar os dentes, super necessário.”