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A trágica história da garota refém de doenças criadas pela própria mãe

A história real - e inacreditável - de Dee Dee e Gypsy inspirou uma das séries mais comentadas da atualidade. Entenda o caso.

Por Fernando Gomes
Atualizado em 18 abr 2024, 12h41 - Publicado em 11 abr 2019, 19h02
 (TODAY'S TMJ4/YouTube/Reprodução)
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‘The Act’, série lançada pela Hulu – mesmo serviço de streaming que fez ‘The Handmaid’s Tale‘ – está dando o que falar nos Estados Unidos e é muito fácil entender o motivo. Ela é baseada em fatos reais inacreditáveis, daqueles que deixam a gente de queixo caído.

Trata-se da história de Dee Dee Blanchard e sua filha Gypsy Rose. Durante muitos anos Dee Dee fez com que Gypsy acredita-se que era uma garota extremamente doente, fazendo com que ela dependesse da mãe para tudo. Na adolescência Gypsy descobriu toda a verdade e acabou matando Dee Dee.

Estrelada por Patricia Arquette (como Dee Dee) e Joey King (como Gypsy), a série destrincha o castelo de mentiras criado por essa mãe – que sofria de um distúrbio psiquiátrico chamado de Síndrome de Münchausen por Procuração. ‘The Act’ está no ar desde o dia 20 de março e é uma série antológica, ao estilo de ‘American Crime Story‘, em que cada temporada se debruça sobre um crime diferente.

Quer entender melhor o que aconteceu na vida de Gypsy e Dee Dee? A gente conta os detalhes dessa história. 

O ano era 2015. As duas moravam há 10 anos na cidade de Springfield, em Missouri, nos Estados Unidos. Mudaram-se para lá após sua antiga casa ter sido destruída pelo furacão Katrina, em 2005.

Dee Dee era uma típica mãe preocupada com sua filha que, segundo ela, desde os 8 anos sofria de vários problemas: distrofia muscular, asma, epilepsia, apneia do sono, problemas de visão, dentre outros mais. Gypsy estava fadada a permanecer em uma cadeira de rodas enquanto não houvessem respostas para as suas complicações.

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A superproteção de Dee Dee fez com que sua filha se tornasse totalmente dependente dela durante toda a infância e adolescência. As atitudes controladoras da mãe eram vistas como precaução e cuidado – já que os supostos problemas graves de saúde demandavam esse tipo de atenção.

Porém, no dia 14 de junho de 2015 uma mensagem misteriosa foi publicada na conta do Facebook que mãe e filha tinham juntas. “Aquela vaca está morta”, dizia o post.

Logo após, as pessoas começaram a perguntar o que tinha ocorrido e algumas suspeitaram que a conta havia sido hackeada. Mas pouco tempo depois outro comentário da mesma conta foi publicado – a mensagem dizia que Dee Dee estava morta e que Gypsy tinha sido estuprada. As palavras chocaram os internautas e a polícia rapidamente foi acionada.

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Ao chegarem no local, os policiais encontraram Dee Dee em seu quarto já morta há alguns dias. Gypsy, que tinha 18 anos na época, estava desaparecida.

Uma amiga de Gypsy, Aleah Woodmansee, procurou os investigadores e deu pistas sobre onde a menina poderia estar. Ela havia comentado com Aleah sobre um namorado secreto que encontrou em um site de namoro cristão. O rapaz era Nicholas Godejohn, de 24 anos e residente de Wisconsin, também nos EUA.

No dia seguinte ao assassinato, 15 de junho, os oficiais da justiça rastrearam dados do homem e foram até sua casa atrás de respostas. Eles encontraram Gypsy ao lado de Nicholas, que rapidamente se rendeu.

Gypsy Rose Blanchard
Gypsy foi detida aos 18 anos junto com o namorado (TODAY'S TMJ4/YouTube/Reprodução)
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No vídeo em que prestou esclarecimento a respeito do caso, ele confessou o crime e disse que Gypsy estava envolvida no esquema. “Ok, eu vou admitir. Eu realmente… esfaqueei a mãe dela”, contou. A relatora que ouvia o rapaz questionou se Gypsy sabia que ele iria matar sua mãe e Nicholas respondeu: “Honestamente, ela me pediu para fazer isso”.

Depois, no auge da polêmica, descobriram ainda que Gypsy conseguia andar sem a cadeira de rodas e que, na verdade, ela não estava doente como todos achavam até então. Dee Dee havia fraudado por anos os laudos médicos e mentindo para todo mundo sobre a condição de sua filha.

Toda vez que as pessoas desconfiavam, ela trocava de médico ou até de cidade para que não levantasse suspeitas. Isso resultou na medicação forçada de Gypsy, que tomava remédios para doenças que ela não tinha. A proporção das mentiras foi tamanha que a garota fez cirurgias para “corrigir certas fragilidades” – e até chegou a ser alimentada por um tubo ligado ao estômago.

Dee Dee e Gypsy Rose Blanchard
Dee Dee matinha Gypsy presa a uma cadeira de rodas e limitava sua atividades por conta das “limitações” que possuía. (TODAY'S TMJ4/YouTube/Reprodução)
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Após uma reunião com pediatras que estudaram a fundo o caso, especialistas chegaram à conclusão de que Dee Dee sofria da Síndrome de Münchausen por Procuração. Esse termo é usado para classificar casos em que um adulto – normalmente a mãe – leva uma criança a crer que está doente e passa a criá-la de acordo com essa realidade inventada. O adulto faz isso para obter uma espécie de gratificação emocional.

Com esses dados, os advogados de Gyspy conseguiram um acordo judicial em que ela se declarou culpada por assassinato não-premeditado, com a sentença mínima de prisão de 10 anos. Já Nicholas foi acusado de assassinato em primeiro grau pela morte de Dee Dee. Seu julgamento ocorreu no fim do ano passado e ele foi declarado como inocente.

Os desdobramentos na mídia

Essa história macabra ganhou os holofotes da mídia ao ser contada pelo Buzzfeed internacional. Nela estão inclusos os relatos de amigos e policiais, além da apuração aprofundada de cada acontecimento desse crime. O título da matéria – uma frase dita por Gypsy – já é um belo resumo desse fato: “Ela teria sido uma mãe perfeita para alguém que estivesse realmente doente”. A jornalista que assina a reportagem, Michelle Dean, é uma das criadoras da primeira temporada de ‘The Act’.

A HBO chegou a produzir um documentário sobre o caso, em 2017, batizado de ‘Mamãe Morta e Querida’. A produção foca nos anos de abuso que Gypsy sofreu e nas consequências após o assassinato, usando como base mensagens de texto, vídeos caseiros e entrevistas com os envolvidos da situação.

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As polêmicas em torno da Síndrome de Münchausen por Procuração

A doença da qual Dee Dee sofria é uma variação da Síndrome de Münchausen. A manifestação dela pode ocorrer de duas formas: uma acontece quando o indivíduo inventa que ele mesmo está doente e a outra – por procuração – faz com que a pessoa minta sobre a condição de saúde de uma criança pela qual ela é responsável. Casos como o de Gypsy podem deixar sequelas emocionais e, em casos extremos, levar a criança à morte.

Apesar de ser pouco debatido, esse transtorno mental é conhecido desde 1977, quando o pediatra britânico Roy Meadow constatou a doença pela primeira vez.

Um artigo escrito pelas pesquisadoras Ana Carolina Fernandes Ferrão e Maria da Graça Camargo Nevesdisponível para acesso na Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde (BVSMS) – diz que a Síndrome de Münchausen por Procuração é um tipo de abuso infantil e destaca os perigos aos quais as crianças estão expostas. “Esta é uma forma extrema de abuso infantil associada à alta morbidade e mortalidade, que levam a sequelas psicológicas irreparáveis”, diz o texto.

Em maio de 2018 um outro caso de Síndrome de Münchausen por Procuração ganhou as manchetes, dessa vez no Chile. Segundo informações da BBC, a vítima era um menino de três anos. A mãe do garoto sempre o levava ao hospital dizendo aos médicos que ele tinha uma infecção incomum no ouvido. O menino chegou a ficar mais de 80 noites internado sem necessidade alguma.

Nesse caso, um juiz da vara de família determinou que a guarda do menino fosse dada à avó e a mãe dele foi encaminhada a tratamento psiquiátrico. Ficou decidido que ela teria direito a visitas supervisionadas e há chances de que recupere a guarda do filho no futuro, caso seja considerada apta para isso.

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