Sobre o massacre em Orlando: foi homofobia, sim
Se Omar Mateen tinha ligação com Estado Islâmico, ainda não sabemos. Mas uma coisa é certa: aquela boate não foi escolhida ao acaso.
Cinquenta pessoas mortas e outras 53 feridas. O maior massacre à mão armada da história dos Estados Unidos. O atirador: Omar Mateen, 29 anos, americano de descendência afegã. O local da chacina: uma boate LGBT. Desde a manhã de ontem (12) no mundo inteiro não se fala em outra coisa. E não é para menos, muito do que acontece nos EUA ganha relevância global e esse episódio tomou proporções jamais vistas no país, em se tratando de ataques com arma de fogo.
É claro que o nome e a ascendência do atirador chamam a atenção e o que era previsto aconteceu: o Estado Islâmico assumiu responsabilidade pelo ato. Se isso é verdade, ainda não sabemos e polícia declarou que não há conclusões definitivas até o momento. Acontece que muita gente, incluindo meios de comunicação, está tentando desvincular a chacina do local onde ela aconteceu. A boate Pulse é um estabelecimento LGBT e não é possível que certas pessoas acreditem que ela tenha sido escolhida ao acaso!
Segundo o pai de Mateen, Mir Seddique, o filho não era fanático religioso, mas era homofóbico. Ele chegou a relatar que Mateen havia ficado consternadíssimo ao ver um casal de homens se beijando em Miami, meses atrás. O próprio Seddique acabou por expressar toda sua homobofia ao dizer que “apenas Deus poderia punir os homossexuais”.
Aí, como se não bastasse a enorme dor pela tragédia, vítimas e familiares ainda precisam lidar com sujeitos como Donald Trump usando o episódio para se promover.
Caro Sr. Trump, talvez coisas assim parem de acontecer quando pessoas como você deixarem de destilar seu ódio contra a comunidade LGBT. Pré-candidato a presidência dos EUA pelo partido republicano, Trump é contra os direitos civis LGBT e contra os imigrantes em solo americano. Aí, numa manobra carregada de má-fé, ele simplesmente ignorou o caráter homofóbico da tragédia e reforçou a crença de que a solução para esse problema é uma só: mais intolerância.
Que uma coisa fique clara, ninguém está afirmando que Mateen não tinha ligação com o Estado Islâmico, isso ainda não se pode concluir. Também não estamos fechando nossos olhos para o fato de que alguns países do Oriente Médio são extremamente cruéis com a comunidade LGBT. Só que é inadmissível desvincular essa chassina do seu caráter homofóbico e é igualmente inadmissível acreditar que essa homofobia seja pontual, que seja fruto de uma mente perturbada “contrária às liberdades do Ocidente”. Os pilares da homofobia (e da LGBTfobia como um todo) estão solidificados também no Ocidente e são sistematicamente reafirmados por discursos discrimanatórios que vertem das mais variadas religiões
Só que é muito mais fácil transferir a culpa para o outro, para aquele que tem nome difícil de pronunciar, para aquele que está distante de nós. É bem mais confortável do que lembrar, por exemplo, que 318 pessoas morreram vítimas da homofobia no Brasil em 2015, de acordo com o relatório anual feito pelo Grupo Gay da Bahia. Crimes motivados pelo ódio estão em toda a parte e, aliás, o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo, conforme indica a organização Transgender Europe. Só que esses assassinatos nada têm a ver com o islamismo e é muito desonesto acreditar que só quem puxa o gatilho seja responsável.
LGBTfobia não se limita a desejar a morte de gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. Ela está incrustada em cada piadinha ~inocente~ que tem como alvo a bicha afeminada do prédio, ou na “opinião” de que duas pessoas do mesmo sexo não deveriam criar uma criança, ou na crença de que “tudo bem ser gay, mas precisa se beijar em público?”, “tudo bem ser lésbica, mas precisa se vestir como homem?” ou no clássico “sou contra o homossexualismo, não contra os homossexuais” (sic). Não é apenas opinião! É combustível para que inúmeros LGBTs sejam agredidos e assassinados, vítimas do ódio puro e simples. São meninos que apanham até a morte para que “virem homem”. São lésbicas estupradas dentro da própria casa para que “virem mulher”.
Então, ao invés de apenas rezar pelas vítimas do massacre recente, que tal refletir a respeito da sua religião e do discurso que ela propaga? Que tal pensar no quanto cada um de nós contribui para que a intolerância cresça e tome proporções monstruosas? Crimes contra LGBTs acontecem TODOS OS DIAS e bem pertinho de você, mas é preciso que 50 sejam mortos e 53 fiquem horrivelmente feridos para que a gente fale sobre isso. Até quando?