No momento em que este texto estiver publicado, o destino do Brasil na Copa do Mundo do Catar já estará traçado. Passada a fase de grupos e as oitavas de final, o coração das torcedoras e dos torcedores já intui o quão próximo, ou fugidio, está o sonho do hexacampeonato. Entre todas as emoções possíveis, porém, nossa maior atleta do futebol feminino, a Formiga, que acaba de estrear como comentarista desse campeonato, já sabe qual será o tom do seu fechamento de ano: “É um privilégio para poucos estar comentando uma Copa masculina. Antes, não tinha espaço para isso. Está sendo tão fantástico que às vezes me faltam as palavras. Nunca me passou pela cabeça chegar aqui ”, disse ela, em entrevista para a BOA FORMA.
Os “aquis ” que a jogadora de 44 anos chegou são muitos — e ela não tem vontade de parar. Só com a camisa da seleção brasileira feminina de futebol foram 26 anos de trabalho, 152 vitórias, 7 Jogos Olímpicos, 7 Copas do Mundo. Chamá-la de lenda não é exagero: ela é a nossa recordista, tanto entre homens quanto mulheres.
Em 2016, chegou a anunciar a aposentadoria da seleção, mas voltou em 2018 para ajudar na transição da sua posição no meio de campo. Ficou até 2021, quando entendeu que era o momento de deixar de vez o uniforme verde e amarelo. “Estou com o coração tranquilo. Quando você se programa para aquilo, como eu me programei, e não é mais convocada, não ficam mágoas ou dúvidas. Dei meu melhor sempre, em todos os sentidos. Incentivei, ajudei bastante.”
A despedida aconteceu na Arena da Amazônia, em Manaus, e abalou as estruturas da torcida. Entre amigas e a sobrinha quase desmaiando de emoção, Formiga se derreteu mesmo com a realização de um sonho: “Depois de muitos anos, consegui levar minha mãe para ver a minha última partida com a seleção. Ela morria de medo de avião, não queria ir. Estou flutuando até hoje! Zerei a vida, zerei o game vendo minha mãe ali ”, conta Miraildes Maciel Mota, o nome de batismo que Dona Celeste, sua mãe, escolheu. Por trás do feito — do sorriso largo e do olhar apaixonado que acompanha a atual jogadora do São Paulo por onde vai — está Erica Jesus, a namorada, noiva, esposa e empresária, tudo ao mesmo tempo. “Ainda não posso acreditar que ela conseguiu convencer minha mãe. Eu a agradeço muito por isso ”, conta.
Só eu jogava no meio dos meninos, os pais das minhas amigas as proibiam. Eu mesma fui proibida pelos meus irmãos, mas continuei. Não tive referência
A história de amor teve pedido de casamento oficial em outubro deste ano. Durante uma viagem a trabalho, a proposta veio com trilha musical e declaração fofíssima nas redes sociais: “Te amooooo muitooooooo minha tudona”, escreveu Formiga, assim mesmo, com tudo isso de “ o ”s.
O romance hoje superlativo foi daqueles que cresceu com o tempo e aconteceu no momento certo. Formiga e Erica se conheceram em 1996, jogando futebol. Na época, surgiu só uma amizade. Depois de 21 anos, elas se reencontraram. “Foram os céus conspirando, o universo está on ”, brinca Formiga.
Na festa de despedida da sua ida para Paris (ela jogou de 2017 a 2021 pelo Paris Saint-Germain), elas ficaram. Logo na sequência, já de mudança para a França, Formiga ligou para Erica, que trabalhava na época como enfermeira num hospital em Santos, e a pediu em namoro. “Falei: e tem mais, você tem dois dias para me responder ”, lembra, rindo. A resposta positiva veio seguida de uma visita e, depois, a mudança definitiva, com direito a celebração em frente à Torre Eiffel.
Ainda que elas já se considerem casadas, a união no papel será em janeiro de 2023, seguida de lua de mel, claro. “A Formiga conheceu o mundo inteiro, mas não aproveitou. Agora, a gente quer aproveitar a vida ”, conta Erica. Engana-se quem pensa que o desfrute en – volve altas extravagâncias. Elas curtem ficar em casa, trazer a Dona Celeste de Salvador para temporadas em São Paulo (agora ela prefere o avião, não mais o ônibus) e viajar. De bermuda, regata e chinelo nos pés, Formiga gosta de andar na rua como anônima.
Mas o sucesso estrondoso em campo não deixa sua presença passar batida. “Temos uma amiga que me fala: a Formiga não sabe quem ela é, né? ”, entrega Erica. Do outro lado, a volante explica: “Tenho a noção do valor do trabalho. O que foi conquistado não fez com que eu perdesse o caminho. Às vezes, as meninas novas dizem que querem andar só de Ferrari, igual os jogadores do masculino. Para mim, um carro tendo quatro rodas e me levando onde eu quero, não tem erro. Que mansão que nada, quero ter saúde! ”.
Não me coloco num pedestal. O futebol feminino é uma luta constante de muitas mulheres. E ainda não estamos no patamar ideal
Os pés no chão só saltam alto quando o as – sunto é o status do futebol feminino no Brasil e seu papel como referência para as futuras gerações de meninas que, como ela, só querem saber de bola e ainda enfrentam preconceito. “O futebol feminino é uma luta constante de muitas mulheres. E ainda não estamos no patamar ideal. Quem não ficaria feliz e honrado em ter trabalhado e plantado uma sementinha? ” Se depender da gigante e interminável Formiga, ela estará de chuteira no pé e com sede de vitória para a colheita desses frutos.
- Fotos Pétala Lopes
- Styling Lucans
- Beleza Marcela Hanna
- Direção de arte Kareen Sayuri