Dezembrite: como as festividades despertam gatilhos emocionais
Você se sente entristecido e deslocado durante as festas de fim de ano? Entenda o fenômeno da dezembrite
O mês de dezembro é conhecido por ser o mais alegre do ano, dentre as diversas reuniões familiares para comemorar o fim de ano até a criação da nossa lista de presentes ideais, o mês tem tudo para ser absolutamente perfeito. Mas será que é bem assim? Claro, as reuniões em família deveriam despertar um pouco de espírito e esperança em nós, contudo, em alguns acabam se tornando mais um longo mês a sobreviver, com uma imensidade de tarefas e visitando familiares que nunca foram com a nossa cara – a chamada dezembrite.
E calma lá, isso não é falta de espírito das festas de fim de ano – seja quaisquer que você comemore. A época desperta diversas emoções, lembranças e pode, de certa forma, acabar ativando certos gatilhos emocionais, especialmente para aqueles que passaram por traumas durante a temporada festiva, perdas de familiares ou, inclusive, ter que lidar com familiares abusivos.
Ter que lidar com a dezembrite não significa que você não tenha o espírito das festas, mas que você precisa de um certo apoio.
Para entender mais sobre a dezembrite e desvendar suas raízes psicológicas, conversamos com a psicóloga Lara Marques. Veja só:
Dezembro ativa as emoções
Você já sentiu uma tristeza inexplicável durante o Natal ou o Ano Novo? Desde um peso em pensar na possibilidade de encontrar os familiares, até a dor de não ter com quem se encontrar neste ano, o mês de dezembro pode ser complicado para alguns de nós – oposto à magia e alegria constante vendida na mídia que, por sua vez, acaba nos deixando com uma sensação de culpa (aquele sentimento de sermos o “Grinch” das festas).
“O natal desperta questões sobre família e infância, já o ano novo costuma fazer com que nós olhemos para o que foi o nosso ano, avaliando as expectativas que tínhamos e o que de fato nós conseguimos atingir. A idealização de uma vida perfeita, de uma família “de comercial de margarina” são responsáveis por disparar esses gatilhos de frustração, tristeza e crises no final de ano”, explica a psicóloga.
A especialista ainda acrescenta que outras pessoas podem experimentar essa tristeza profunda a partir de uma sensação de solidão durante o período – isso se intensificou após a pandemia da Covid-19, na qual uma grande maioria perdeu diversos de seus familiares para a doença.
“Há também quem entre em crises de ansiedade ao entrar em contato com uma família que não consegue lidar – seja por questões internas, ou por abuso e controle que acontecem no âmbito familiar”, aponta Lara.
Dentre os sentimentos mais comuns da “dezembrite”, a psicóloga destaca a tristeza, ansiedade e frustração. “Além disso, algumas pessoas têm gatilhos ao se recordarem de eventos traumáticos – que podem variar – que ocorreram ao longo da vida, ou mesmo na infância.”
Por trás da dezembrite
Não é surpresa para ninguém que os sentimentos negativos durante o período de final de ano podem desenvolver alguns problemas no subconsciente, podendo até nos dar a ideia de que não somos daqueles que comemoram o Natal ou o Ano Novo, é apenas mais um dia na vida.
A principal problemática que nos leva a passar pela “dezembrite” é a imagem criada em volta do período festivo, sempre visto como o momento em que a alma deve permanecer completamente iluminada e alegre.
A personificação das festas de final de ano é, usualmente, centralizada na perfeição da data. Desde a ceia até a embalagem dos presentes, tudo deve estar deslumbrante e, assim que algo foge do nosso controle, entramos em um espiral – que aparenta ser inevitável – de negatividade e gatilhos emocionais.
Pensa assim: um detalhe na ceia natalina não vai como planejado, e isso te lembra das críticas feitas pela sua mãe em anos anteriores sobre sua comida. E, com isso, a dezembrite toma conta de você.
“Acredito que desconstruir a idealização que existe nesse período seja o mais interessante para lidar com toda a carga emocional que as festas de fim de ano possuem. Entender que, Natal é somente uma data tradicional, que não é um avaliador ou medidor da sua vida, que não “temos que” fazer determinadas coisas ou estar com determinadas pessoas”, reflete Lara Marques sobre a idealização da data.
E o Ano Novo? Claro, existe uma pressão em relação à perfeição da data, isso é inegável, mas a maior parte dos gatilhos emocionais que giram em torno da data é a falta de realização ao ano.
Todos separamos nossa clássica lista de metas, algumas são cumpridas, enquanto outras são empurradas para debaixo do tapete em meio à correria do dia a dia.
Para alguns, não completar aquela lista de metas estipulada 365 dias atrás pouco afeta a sua alegria atual, afinal, você chegou até aqui. Mas, para outros, deixar a lista incompleta significa defraudar a pessoa que nós éramos, que tinha sonhos e esperanças para o dia de hoje.
“O Ano Novo é somente uma festa de passagem, que não é um medidor de sucesso. Devemos diminuir as expectativas sobre como deve ser esse Natal e sobre como você supostamente deveria estar no final do ano com relação a sua vida.
Além de esquecer essa obrigatoriedade de estar em família, feliz e realizado com a própria vida deve ser desconstruída”, coloca a especialista.
Enfrentando a solidão
Para alguns, o mais difícil das festas de ano novo é enfrentar a solidão. Ver todas as famílias reunidas, se deleitando com uma ceia e abrindo presentes significativos, tudo isso pode ser difícil para quem não tem um grande círculo para desfrutar o fim de ano.
Desde aqueles que perderam seus familiares até aqueles que não têm desejo de rever familiares tóxicos, a solidão pode ser um grande gatilho, e com o passar do tempo, devemos aprender a lidar e, em certa forma, conviver com ela.
“Vale se perguntar: se não fosse Natal, eu estaria me sentindo solitário nesse contexto? A expectativa de ter que seguir uma tradição que não se aplica a nossa realidade, pode piorar o nosso estado emocional. É válido também tentar construir uma experiência de festa que seja possível para cada um: sozinho ou acompanhado, com família ou com amigos, fazendo uma ceia ou somente assistindo um filme”, recomenda Lara.
A verdade é que não é preciso se sentir culpado por não ter uma experiência de Natal ou Ano Novo tradicional – afinal, quem disse que não podemos criar nossas próprias tradições para as festividades.
“Decidir não comemorar também é uma opção. Algumas pessoas irão se sentir melhor simplesmente ignorando algumas datas comemorativas, a obrigatoriedade de se comemorar é uma imposição social que gera sofrimento”, revela.
Hora de comemorar, do seu jeitinho!
Caso não seja o seu desejo, a dezembrite não deve significar o fim das comemorações para você – é, inclusive, um bom momento para você descobrir suas próprias tradições.
Priorize ficar próximo das pessoas que te fazem bem – mesmo que não sejam pessoas com as quais tradicionalmente passamos as festividades – e, claro, não se obrigue a seguir um protocolo do que deve ser o Natal ou o Ano Novo, afinal, não existe certo ou errado quando se trata das comemorações.
“Não entre em auto avaliações muito rígidas sobre o que foi o seu ano ou não, e não se cobre a fica feliz em família, quando você não se sente bem. Tente se lembrar que o Ano Novo e o Natal são somente festas e rituais de passagem culturais, e não servem como métrica para definir como sua vida está ou não”, finaliza.
As festividades de fim de ano – seja Natal, Hanukkah ou Ano Novo – não têm um manual a seguir e, definitivamente, não devem atingir a perfeição.
São momentos para você se divertir, seja consigo mesmo ou em família e amigos, o importante é entender o seu ano como uma passagem necessária para a sua verdadeira alegria.
Todos os anos são apenas uma forma de crescer e ser melhor e, quem sabe, mais feliz. Então, aproveite para entrar em contato com os seus sentimentos neste período.