Com certeza você já ouviu: “ A infância de hoje não é como a de antigamente”. Essa frase geralmente é dita para expressar que, no passado, os pequenos tinham mais qualidade de vida brincavam entre si – sem ficarem olhando para as telas por horas e horas. Agora levantamos uma questão: será que isso é mesmo tão ruim negativo? Para compreender melhor a relação entre crianças e jogos eletrônicos, conversamos com Luciana Brites, CEO do Instituto Neurosaber e doutoranda em distúrbios do desenvolvimento.
Tenha atenção com a exposição, principalmente na primeira infância
A primeira infância é onde a criança começa a ter suas primeiras descobertas, que pavimentam a sua evolução. Por isso, principalmente nesta fase, é necessário ter cuidado. “Temos a lei do desenvolvimento e a gente sabe que na primeira infância é quando a gente mais se desenvolve. É uma fase sensível, porque quando a gente tem um sistema biológico sendo amadurecido, nós temos um meio ambiente que pode formar esse sistema. É o que chamamos de interação genética ambiental. Então é muito importante um tempo determinado de tela, jogos digitais na primeira infância”, pontua.
Estudo aponta tempo ideal de tela de acordo com cada idade
O estudo da American Academy Of Child e Adolescent Psychiatry (AACAP), observou que crianças americanas de 8 a 12 anos passam de quatro a seis horas usando telas, e adolescentes passam até nove horas. Para melhor aproveitamento da infância é indicado pela academia que:
- Crianças até 18 meses de idade usem as telas apenas para bate-papo por vídeo com um adulto – como falar com o pai ou outro familiar.
- Entre 18 e 24 meses o tempo de tela deve ser limitado a assistir a programas educativos com observação dos responsáveis.
- A partir dos dois anos até cinco de idade, o tempo de tela não educacional deve durar uma hora por dia da semana e três horas no fim de semana.
- Para crianças maiores de seis anos, é recomendado o incentivo de hábitos saudáveis que ocupem mais tempo da rotina do que as telas.
Benefícios dos jogos digitais
Os jogos digitais estimulam a criatividade, exercitam o raciocínio lógico, ajudam no desenvolvimento da inteligência emocional e, quando administrados da maneira correta pelos responsáveis, podem até despertar mais interesse em matérias escolares. “Para a criança aproveitar de fato todos esses benefícios é necessário que o adulto responsável gerencie o tempo de diversão nos games de maneira inteligente”, salienta Luciana.
Jogos desenvolvem habilidades, mas cuidado com excesso
Pais devem ficar atentos ao estilo de jogo, objetivo, sonoridade e, claro, indicação de idade. “Pensando na primeira infância, esses jogos devem ser mais lúdicos, com uma trilha sonora mais baixa para não afetar a audição da criança. Os pais devem colocar um tempo de uso para os jogos em excesso não limitarem o desenvolvimento. Como são feitos em um sistema de recompensa , principalmente os de tela, são criados para estimular muitos neurotransmissores, as nossas bioquímicas cerebrais, e a soma disso pode fazer a criança querer jogar a todo momento, resultando na perda de algo muito importante para o seu desenvolvimento que é contato social”, alerta.
Outro ponto importante é se atentar às limitações da idade do seu filho e não deixá-lo jogar um jogo que ele não vai compreender. “Os jogos que devem ser evitados principalmente na primeira infância são aqueles que fazem muito barulho, que não têm uma estrutura ou um objetivo. Geralmente, quando você vai comprar ou baixar os jogos eles têm na descrição os objetivos e benefícios, e é muito importante que o objetivo esteja adequado com a faixa etária da criança. Um exemplo é um jogo que precisa de leitura e escrita e seu filho ainda não sabe ler e escrever, é um jogo muito fácil que não vai prender a atenção da criança. Tudo isso deve ser levado em conta antes do seu filho ter acesso. É importante saber quem desenvolveu o jogo, porque muitos podem conter algum link malicioso que pode infectar o aparelho e gerar uma série de problemas”, orienta.
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No Neurosaber, Luciana já observa estudos de crianças que tiveram atraso de fala pela alta exposição aos games. “A gente já tem trabalhos que correlacionam o uso de jogos e telas com atraso de linguagem e isso é algo muito preocupante. Porque a gente sabe que muitas crianças que apresentam esse tipo de atraso na fase de alfabetização também podem ter uma demora para aprenderem a ler e escrever, então é como se fosse um efeito cascata”, reforça.
No caso dos adolescentes, a coisa ainda pode ser pior com a entrada dos jovens em jogos coletivos virtuais. “ Quando nossos filhos mais velhos entram em jogos virtuais coletivos é como se nós abríssemos nossa casa para o mundo, por isso é muito importante estar atento ao tipo de jogo que o nosso filho está jogando e com quem, no caso dos adolescentes e pré-adolescentes, eles estão se relacionando por meio dessa plataforma, que pode ter tanto pessoas com boas intenções, como com más”, lembra.
Também é importante se atentar a outros problemas que os jogos em excesso podem gerar, como má postura, obesidade – quando a criança só joga e não faz atividades físicas e boa alimentação – e distúrbios do sono como insônia – essa que também impacta na qualidade de vida e aprendizagem da criança.
Tirar as telas de vez não é a solução
“Não podemos tapar nossos olhos e o dos nossos filhos para tecnologia, ela traz sim muitos benefícios, mas como tudo em excesso pode fazer mal, então gerir o uso das telas de um modo inteligente para que seu filho tenha sim acesso ao mundo, mas sem prejuízos a sua saúde e desenvolvimento, é a melhor saída”, aconselha.