A garçonete Ana Paula chegou em São Paulo com um objetivo claro: encontrar oportunidades de emprego para proporcionar uma vida melhor aos seus filhos. A falta de vagas em creches, porém, impossibilitou que eles se mudassem com ela.
A decisão, então, foi que os dois permanecessem com a avó até que fosse possível matriculá-los. “Hoje, eles não me chamam de mãe. Não temos um contato diário para isso, mas, enquanto não tiver vagas, não posso trazê-los para cá”, conta.
É a história de uma mulher, mas, ao mesmo tempo, o retrato da falta de acesso a creches no Brasil.
Quando um filho nasce e a mãe precisa voltar ao emprego, saber com quem deixar a criança é uma questão. Quem pode contratar babás, contar com parentes ou pagar uma escolinha tem a solução. Mas a realidade de muitas mães, assim como a de Ana, é bem diferente, com consequências para as crianças, mulheres e economia.
Uma das maiores razões da perpetuação da pobreza e um dos maiores propulsores da desigualdade social é a falta de acesso a estímulos na primeira infância, segundo James Heckman, pesquisador vencedor do Nobel de Economia.
O investimento na primeira infância, por outro lado, é a medida mais eficaz para quebrar o círculo da pobreza, possibilitando o maior retorno para a sociedade em relação a diminuição de evasão escolar, redução de crimes e diminuição de encarceramento, como comprovado por Heckman.
“Sem esse benefício, essas crianças podem ficar presas em um ciclo intergeracional de pobreza, do qual é praticamente impossível se libertar”, de acordo com um estudo da International Finance Corporation (IFC).
A pedagoga Laura Santos reforça: “A educação básica promove aprendizagem, estímulos, interações e, consequentemente, o desenvolvimento das crianças. A educação, inclusive, traz oportunidades para elas que provavelmente não apareceriam sem esse espaço.”
No Brasil, o déficit de vagas nas creches ainda é restrito, com acesso apenas para 35% dos pequenos, número menor do que o estipulado pelo Plano Nacional de Educação (PNE), que previa uma taxa de 50% de atendimento até 2024. Precisariam ser criadas 2,5 milhões de vagas, o que demoraria mais de 20 anos, seguindo o ritmo atual.
Os dados são ainda mais alarmantes, porque faltam vagas principalmente para quem mais precisa: 33,9% das crianças mais pobres são afetadas pela impossibilidade de matrícula nas creches públicas, comparado a 6,9% das ricas, segundo pesquisa do IBGE de 2017 (Pnad).
Paralelo a isso, mães precisam abandonar seus trabalhos para a dedicação exclusiva aos filhos, o que pode diminuir a independência financeira delas.
As creches são um direito dos cidadãos?
A educação é obrigatória a partir dos 4 anos no Brasil, mas o Estado tem o dever de garantir vagas suficientes para todos que desejarem matricular seus filhos, cabendo aos pais a decisão. Porém, a realidade é repleta de filas de espera para alcançar esse direito básico.
Outro problema nesse debate é a ausência de opções nas proximidades da famílias. Conforme Laura explica, é preciso garantir essa facilidade para que o deslocamento não afaste os pequenos das escolas. “Atender a demanda local é uma forma de não privar esse indivíduo do acesso a educação desde o começo de sua vida, além de apoiar os pais em seus postos de trabalhando.”
Impacto da pandemia
A pandemia da covid-19 impactou as diferentes áreas, entre elas a educação, especialmente a infantil. Muitos pais cancelaram as matrículas dos pequenos nas creches particulares.
Nas públicas, muitos foram atrasados na educação por falta de estrutura, afirma a Laura. O Censo Escolar 2021 revelou que mais de 650 mil crianças saíram da escola entre 2019 e 2021.
O número de crianças matriculadas em creches passou de 3,7 milhões em 2019 para 3,4 milhões em 2021 nesse momento. Lidar com isso enquanto busca manter o direito ao acesso a educação para todos os pais que a buscarem é o desafio do poder público.