Basta ler alguns trechos do livro “Tudo Nela Brilha e Queima” para compreender a proposta por trás dele: Ryane Leão é uma mulher que escreve para mulheres – e faz isso por meio da poesia. “Às mulheres infinitas”, entrega ela na dedicatória – que, por si só, já é poética e cheia de significado.
“Eu escrevo para que outras mulheres se lembrem que a história delas também importa”, resume a escritora de 28 anos, nascida em Cuiabá e radicada em São Paulo. Sobre a decisão de fazer esse tipo de trabalho, ela conta que começou a escrever por não se sentir contemplada pela literatura que via a seu redor. “Tudo que eu não encontrava em outros livros, agora eu escrevo nos meus”.
Além disso, a convivência com outras minas que têm esses mesmos anseios também fez com que a inspiração para escrever se tornasse algo cada vez mais pulsante. “Se você vê uma mulher contando uma história da vida dela e você se identifica – porque você já passou por alguma coisa parecida, ou porque conhece alguém que passou – você vai ficar com isso guardado em você, não vai sair tão cedo”.
Eu sou um monte de
constelações
brilhando e ardendo
mas nem todo mundo sabe verou só vê a parte que arde
Ryane Leão
ou só vê a parte que brilha
Apesar de esse ser seu primeiro livro, Ryane publica poemas há 10 anos e tudo começou através da internet. “Eu sempre escrevi, mas comecei a publicar na internet dez anos atrás, em blogs. Depois fui para o Facebook e aí para a rua”, conta ela, que também já encabeçou um projeto para colar lambe-lambes feministas pelas ruas de São Paulo. Ryane chegou a lançar sete blogs com temas variados, mas resolveu tirá-los do ar, pois muitas daquelas publicações já não refletiam mais a sua essência.
“A escrita vai se moldando, eu fui crescendo como escritora e, naquela época, eu ainda não tinha alcançado a minha identidade – que é uma coisa que agora eu sei que eu tenho”. Mesmo assim, ela diz que alguns poemas de “Tudo Nela Brilha e Queima” são remanescentes dessa fase e que os antigos blogs ainda servem de inspiração.
Quando perguntada sobre a importância da literatura que visa o público feminino – e que não esconde isso -, Ryane tem a resposta na ponta da língua: “A gente tem que falar das nossas questões. Somos convencidas desde cedo de que as nossas pautas não são importantes, que as nossas histórias não são importantes. Não à toa, muitas mulheres se anulam em todo o tipo de relação – não só nas amorosas”.
só há revolução
Ryane Leão
quando há amor
por nós mesmas
Quanto à recepção ao livro de estreia, a poeta se alegra com o feedback positivo. “Eu nunca escrevi só para mim, sempre escrevi de maneira coletiva. Acredito que a escrita feita por mulheres é muito coletiva. As leitoras têm me mandado mensagens – todo o tipo de mina, em todo o tipo de lugar -, falando que se identificaram, agradecendo pela publicação, dizendo que vão deixar o livro na cabeceira”.
Sobre o atual panorama da poesia feminista, Ryane comemora o fato de que trabalhos como o dela estão ganhando cada vez mais força. Dentre as mulheres que a inspiram ela cita Nayyirah Waheed, Yrsa Daley-Ward e Rupi Kaur.
“Acho que tem semelhanças [entre os trabalhos], porque a gente fala basicamente de fortalecimento e empoderamento feminino. Mas tem uma coisa que eu acho que não se assemelha, que é diferente no trabalho que eu faço. Eu sou uma mulher negra lésbica e tomei o cuidado de, no meu livro, abranger mais relações [afetivas]. Faço questão de me ver no que eu escrevo e faço questão de que outras mulheres se vejam também – principalmente as mais invisibilizadas”, finaliza.
do que sei agora
me vi anos atrás
Ryane Leão
e quis dizer pra mim
se ame
antes de tudo começar
depois de tudo terminar
e durante esses espaços todos
se ame