Tom sombrio e desejos femininos no novo filme de Sofia Copolla
"O Estranho Que Nós amamos" retrata a relação entre sete mulheres e um misterioso homem que passa a viver com elas num internato decadente.
Numa aposta ousada, Sofia Copolla resolveu “reciclar” um antigo filme estrelado por Clint Eastwood, trazendo um olhar feminino à trama. “O Estranho Que Nós Amamos” se passa no sul dos EUA, durante a Guerra Civil, e conta a história de um internato para moças, em que elas resolvem acolher um soldado do Norte (ou seja, da tropa inimiga) que está ferido. O longa chega aos cinemas brasileiros no dia 10 de agosto.
A versão original foi lançada em 1971 e trazia uma trama bem canastrona, em que Eastwood é aquele macho alfa que consegue manipular cada uma das mulheres e meninas com seu sex appeal e sua esperteza testosterônica. No filme antigo, rola até mesmo um beijo entre ele e uma garota de 13 anos e um dos detalhes mais caricatos é o fato de que todas as fêmeas da casa (incluindo animais) entram no cio quando o homem surge.
Muitas mudanças foram feitas na versão de Copolla, a começar pelo fato de que agora a história é contada pelo ponto de vista das mulheres. A aura sedutora e esperta do personagem masculino continua presente e, como no original, o interesse que ele desperta nas mulheres segue sendo o fio condutor da história.
O internato fica numa grande casa e é comandado por Miss Martha (Nicole Kidman). No momento retratado pelo filme, ele só conta com uma professora (Kirsten Dunst) e cinco alunas – incluindo uma interpretada por Elle Fanning. Todas as outras habitantes foram embora por causa da guerra, e aquelas que restaram encontram-se vivendo num constante clima de monotonia. Aí é claro que a chegada de um bem apessoado forasteiro iria mexer com os ânimos de todo mundo. As mulheres – algumas ainda meninas, na verdade – querem estar com ele, tocá-lo, chamar sua atenção e agradá-lo como podem.
Mas um dos trunfos de Copolla – que além de dirigir, também assina o roteiro – é trazer um clima sombrio e bem mais misterioso ao remake, além de descartar a canastrice. Entre o soldado (Colin Farrell) e as mulheres há um constante clima de galanteio e a gente fica sem saber quem está manipulando e quem está sendo manipulado nesse jogo.
“O Estranho Que Nós Amamos” é um filme competente, mas não é o trabalho mais memorável de Copolla, apesar de ter rendido a ela o prêmio de Melhor Diretor em Cannes. E, ao contrário do que foi feito em Maria Antonieta, essa não é uma história de época com pegada pop. O clima é bem bucólico e a narrativa é lenta, dando foco à monotonia vivenciada pelas mulheres da casa e à tensão que se cria entre todos os personagens. Essa tensão é sutil na maior parte do filme e pode gerar uma certa ansiedade no expectador, mas o terceiro ato se torna mais veloz e consegue empolgar bastante.
O ponto alto do longa certamente é o aspecto visual. Fotografia, cenário e figurino estão simplesmente impecáveis e alguns frames são verdadeiras pinturas. O casarão suntuoso onde o filme se passa dá um show à parte – e ele é o mesmo em que Beyoncé gravou boa parte de “Lemonade”, incluindo cenas do clipe de “Formation”.
Trata-se de uma construção histórica, no interior do estado de Louisiana, chamada de Madewood Plantation House. No filme, ela aparece emoldurada por pequenas trepadeiras, folhas e galhos secos, e um jardim decadente, tomado pela vegetação nativa. E a paleta de cores usada também contribui para reafirmar a melancolia sombria do lugar.
Quanto ao elenco, todos os atores entregam boas atuações, inclusive as atrizes pouco conhecidas – Oona Laurence certamente é um nome para ficar de olho. Mas o grande destaque vai para Nicole Kidman. Ela domina a tela em todas as cenas em que aparece e conduz o filme com muita competência.
Assim como na atuação magnífica em Big Little Lies, ela novamente mostra que não precisa fazer grandes piruetas para ter uma presença marcante em cena. Esse é sem dúvida um grande ano para Nicole, que também foi premiada no último Festival de Cannes.
Ao fim, “O Estranho Que Nós Amamos” é um filme executado com competência. Sofia Coppola fez um bom trabalho repaginando o material original e o resultado é uma obra bem mais refinada. Muitos dirão – e já estão dizendo – que esse é um remake politicamente correto, lapidado aos moldes de uma época onde o empoderamento feminino está em foco. Essa é uma visão tendenciosa dos fatos e é uma maneira preguiçosa de tentar empalidecer o que foi feito pela cineasta.
Se temos aqui um filme feminista, isso é um ponto que fica em aberto. Mas sem dúvida é uma obra alinhada à evolução na maneira como as histórias estão sendo contadas. Vai ter mulher forte na tela, sim, e isso pode render ótimos filmes.