Logo que a pandemia estourou no Brasil, a mãe da artista plástica Renata Felinto fazia uma visita à filha no sertão do Ceará, onde é professora universitária. “Os vôos foram suspensos e ela não conseguiu voltar para sua casa, em São Paulo. Enfrentar os primeiros quatro meses com ela por perto trouxe muita segurança”, conta Renata. A sensação de preenchimento foi traduzida numa aquarela com uma orixá Nanã gigante e forte que segura três pessoas (foto acima). “Somos eu e minhas crianças, nos sentindo acolhidos por minha mãe.” A peça integra a exposição Birico – Poéticas Autônomas em Fluxo, em cartaz no Sesc Bom Retiro, em São Paulo, até o dia 27.
O coletivo Birico nasceu como uma iniciativa on-line para dar suporte para artistas (tanto os que expõem em galerias quanto os que vivem em situação de vulnerabilidade social, principalmente na região da Cracolândia) com a venda de obras de arte. “Quando recebi o convite, aceitei de imediato. Aqui, no Ceará, já tinha uma atividade com o objetivo de ajudar mulheres que são mães solo.”
A preocupação de Renata em extrapolar os limites do mundo da arte aparece também na escolha dos temas de suas performances. Em Axexê da Negra (foto acima), ela propõe o enterro espiritual de mulheres que foram amas de leite no Brasil escravocrata. Além de fotografas, há uma reprodução da pintura A Negra (1923), de Tarsila do Amaral, cuja modelo foi uma “mãe preta”, uma mulher escravizada na fazenda da família da artista modernista no interior paulista.
O tema da maternidade aparece em outras produções da sua carreira, não só no lugar do afeto, mas também da exaustão. “Trabalho as vivências que me atravessam. Acho estranho como a sociedade trata as mães. Todo mundo é filho ou filha e já viu momentos de tensão e cansaço. Voltar meu olhar para Nanã é, inclusive, entender que os filhos dos deuses e das deusas são criados por todo mundo. Criar é função para uma família, que pode ser uma família de amigas.” Acompanhadas, inclusive da arte, é mais fácil não encarar a função como um peso.