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Entenda por que não compartilhar o vídeo do Morgan Freeman sobre racismo

A professora e psicanalista Jaqueline Conceição também falou sobre a importância do Dia da Consciência Negra

Por Maria Clara Serpa (colaboradora)
20 nov 2020, 16h37
 (Reprodução/Getty Images)
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Todos os anos, no Dia da Consciência Negra, as redes sociais são tomadas por compartilhamentos de um vídeo em que Morgan Freeman afirma que a data não deveria existir e que, para acabar com o racismo, é necessário “parar de falar sobre isso”.

Neste ano, mesmo antes do dia 20 o nome de Morgan Freeman já estava nos trending topics do Twitter. Muita gente compartilhou o vídeo, concordando com a mensagem que o ator passa, e muitas outras criticaram. Em setembro, Gloria Maria foi comparada ao ator ao afirmar, em uma live, que hoje em dia “tudo é racismo e preconceito” e que acha isso tudo “um saco”.

A discussão veio ainda mais à tona em 2020 devido a diversos casos de racismo que foram compartilhados inúmeras vezes nas redes sociais, como o entregador do iFood que foi humilhado por um homem com afirmações racistas; o caso de Adriel Oliveira, de 12 anos, que recebeu comentários racistas em seu Instagram sobre literatura; e o ocorrido com Ndeye Fatou, alvo de comentários racistas dos colegas que estudavam com ela em uma escola particular no Rio de Janeiro.

Um caso que ocorreu em um Carrefour, em Porto Alegre, na noite de quinta-feira (19), justamente na véspera do Dia da Consciência Negra, também chocou o país. Um homem negro foi espancado até a morte por dois seguranças brancos no estacionamento do supermercado. Hoje, o Grupo Carrefour Brasil lançou um manifesto pela diversidade, com material sobre inclusão racial, de gênero e também de pessoas com orientações sexuais e crenças diferentes. O material deve ser afixado em todas as lojas da rede no Brasil.

Para falar sobre a importância do Dia da Consciência Negra e explicar porque o vídeo deveria deixar de ser compartilhado, CLAUDIA conversou com Jaqueline Conceição, professora, psicanalista, fundadora do Instituto de Pesquisa sobre Questões Étnico Racial e de Gênero, Coletivo Di Jejê, especialista em feminismo negro e doutoranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina.

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jaqueline conceição
Jaqueline Conceição (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Por que o dia da Consciência Negra existe?

O feriado da Consciência Negra foi incluído no calendários escolares em 2003, mas, apenas em 2011, a então-presidente Dilma Rousseff oficializou a celebração em âmbito nacional mediante a lei nº 12.519. A data é reconhecida como o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro de 1695. Zumbi foi líder do Quilombo dos Palmares, um dos maiores do Brasil, no estado de Alagoas.

“Esse feriado é muito recente na história brasileira, mas é resultado de uma luta de mais de 20 anos do movimento negro que, até então, comemorava o dia de libertação em 13 de maio. A partir de descobertas e da historiografia de Zumbi e do Quilombo de Palmares o movimento passa a pressionar que vire uma data comemorativa em 20 de novembro”, explica Jaqueline.

“A importância do Dia da Consciência Negra está ligada à importância de outras datas históricas. Elas estão muito relacionadas à ideia de criar memória. Seja como for, hoje é um dia em que o Brasil para e fala sobre a questão racial. Todos os anos, nesse dia, a mídia, a imprensa, as redes sociais, as figuras públicas focam nessa discussão. Isso é muito importante porque nós quase não falamos de racismo no país e nós deveríamos falar. A gente não entende o racismo no Brasil como deveríamos entender.

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Para mim, hoje é uma data simbólica em que a gente relembra os nossos ancestrais. Lembra de Zumbi, Dandara e tantos outros que lutaram pela libertação africana no Brasil. O dia tem esse sentido de resgate da memória e essa possibilidade de que, por um dia, a gente fale sobre esse legado e conte a história de Zumbi. É importante retomar essa memória para que ela não se perca”, completa.

Por que não compartilhar o vídeo?

“As pessoas falam que deveríamos parar de falar de racismo e, assim ,ele deixaria de existir, mas o dia existe para que a gente retome esse assunto e aprenda a lidar e enfrentar o preconceito da maneira que ele deve ser enfrentado, estruturalmente e a partir da educação.

O pensamento de Morgan Freeman no vídeo parte da ideia de que nós somos uma raça única enquanto humanos e que não deveria haver essa diferenciação de acordo com os grupos étnicos – europeus, africanos, indígenas, entre outros –, já que é isso que resulta no racismo. Porém, como professora e psicanalista, sei que na negação, às vezes, conseguimos perceber mais a presença que a ausência.

Todos os anos, ouvimos esse discurso de que o que faz o racismo existir é o fato de as pessoas negras falarem o tempo todo sistematicamente sobre o preconceito e que não há necessidade de haver o dia da Consciência Negra e sim da Consciência Humana. Na minha visão, essa negação deixa ainda mais evidente a necessidade de termos uma educação racial e antirracista para que as pessoas compreendam o próprio processo de colonização brasileira, a presença negra na história do país, a escravidão e a libertação.

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Do ponto de vista da psicanálise, é na contradição que há o movimento de mudança porque ela polariza o discurso e faz com que as pessoas tenham que se posicionar. Ao se posicionarem, as pessoas geram debates, que podem levar à mudança de mentalidade”, afirma a professora.

Para Jaqueline, estamos vivendo um momento de mudança e o movimento negro conseguiu avançar muito, apesar do país estruturalmente racista em que vivemos.

“Enquanto pessoas negras, nós queremos que a mudança venha mais rápido, já que esse processo é muito moroso. Porém, do ponto de vista da cultura, é assim que acontece o processo, uma coisa por vez.

Daqui a dez anos tenho certeza que a discussão sobre racismo e a história da população negra não estará restrita apenas ao dia 20 de novembro, a gente já vai ter um outro contorno. Hoje, nós temos uma nova realidade da população negra. Ter uma filósofa negra mundialmente conhecida e premiada como a Djamila Ribeiro não é pouca coisa. Em um país em que mulheres negras são arrastadas por viaturas de polícia à luz do dia no centro de uma grande capital, ter uma filósofa como essa não é pouca coisa. A população negra ainda não é tratada como gente, mas sim como coisas, porém estamos conseguindo criar rupturas”, finaliza.

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