Uma figura que é fonte inesgotável e renovável de cultura e informação. Assim parece ser Vinicius de Moraes, cantor, compositor, poeta, autor, diplomata, jornalista, entre tantas outras alcunhas que adquiriu em seus 66 anos de vida. Morto em 1980, o artista sempre teve seu legado levado adiante pela família e, mais recentemente, quem assumiu essa frente foi Julia Moraes, neta do cantor.
Há quatro anos, ela desenvolve o projeto de criar um acervo digital da obra de Vinicius. A carioca, que é produtora e diretora, se debruçou sobre os mais de 11 mil documentos que estão guardados no Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.
Agora, poemas e peças, roteiros de cinema e cartas com anotações e correções estão acessíveis no site Acervo Digital Vinicius de Moraes (acervo.viniciusdemoraes.com.br). Dá para acompanhar, por exemplo, a criação de Insensatez, clássico musicado por Tom Jobim, grande parceiro artístico de Vinicius e quem deu a ele o apelido de poetinha.
“A presença de Vinicius é constante, ele marca até gerações que não conviveram com ele em vida. Eu acho que ele tinha uma síntese poética que o coloca em contato direto com as pessoas. Elas sentem que, ao ouvir suas músicas ou ler um poema, estão sentadas na mesa do bar com ele, podem conversar e trocar”, acredita Julia, que, no momento, está procurando algumas famílias de pessoas cujas correspondências com Vinicius fazem parte do acervo, em busca de autorização para exibir esses documentos ao público.
A criação de um acervo digital é parte da estratégia de preservar e difundir, como descreve Julia. “Tudo começou com o intuito de garantir a preservação desses itens, então o digital era o meio mais seguro. A gente sabe que, no Brasil, muitas instituições não recebem os fundos necessários para a manutenção de arquivos físicos. Mas aí, enquanto escaneávamos, vimos que ali estava explícito o processo de criação dele e entendemos que era importante mostrar esse patrimônio cultural do nosso país”, explica.
Segundo Julia, todos os documentos tinham sido organizados por Vinicius, cuidados por suas irmãs e entregues em ordem, porque o artista tinha muita clareza da importância de pensarmos no futuro do Brasil e, portanto, nas crianças e nos jovens. “Acho que isso fica muito explícito com o movimento que ele fez já no fim da vida, de voltar a sua produção para as crianças com Toquinho.
É um gesto nobre de um homem tão renomado, com carreira nacional e internacional fortes, seguir se renovando, se propondo a fazer coisas diferentes”, afirma Julia, que espera também que, com os rascunhos do avô, as pessoas percebam que processos artísticos não são apenas movidos a inspiração e talento, mas a bastante esforço.
“Ele estudou muito, fez direito, se dedicou para passar na prova do Instituto Rio Branco, quando virou diplomata; foi o primeiro bolsista brasileiro a estudar fora do país ao ingressar em uma pós-graduação em literatura inglesa, em Oxford. Era um leitor voraz de poesia francesa, inglesa e brasileira. As anotações mostram erros e acertos, não tem essa de amanhecer inspirado e pronto.”
Julia e a família acreditam que Vinicius ficaria feliz de ver esses itens expostos, mesmo que sejam coisas que ele nunca tenha mostrado em vida. Para ela, uma das crenças do avô era de que a cultura deveria ser passada de uma geração para outra.
“Para a geração dar um salto criativo, ela precisa estar em contato com o que já foi feito”, completa. No caso de Vinicius, suas múltiplas produções culturais, em diferentes veículos e linguagens, facilitam esse contato. “Ele era multilinguagem, algo que impediu que o conteúdo desse envelhecesse mal. A internet acolhe bem essa voz polifônica dele, não o coloca numa gaveta, um lugar onde jamais caberia Vinicius de Moraes”, fala Julia. “Mas se tem uma mensagem que é ainda mais válida nesse mergulho da obra do Vinicius é que vale a pena ser intenso, agir com verdade, ser inteiro, se entregar, que era o que ele fazia.”