Paula Gicovate: “Não viver o amor porque ele pode acabar é uma covardia”
Autora lança "Notas Sobre Impermanência", um romance sobre permitir-se sentir o desejo e o romance, com a consciência das escolhas que se faz na vida
Todo mundo tem um pouco de Lia – ou conhece alguém que seja. A protagonista do romance Notas Sobre Impermanência (Faria e Silva Editora, R$ 49,90 na Amazon), da brasileira Paula Gicovate, é uma mulher que sabe o que quer do amor, até onde pode ir com ele e o quanto dele pode carregar em si. Vivendo uma ponte aérea entre Rio e São Paulo, ela marca encontros pragmáticos com Otto, paixão que a tira dos eixos, mas que escolheu viver; um homem muito além do melhor sexo da sua vida, porém, casado.
Talvez você já esteja julgando Lia, como “aquela outra”, “a amante”, mas saiba que a personagem criada por Paula passa longe dos estereótipos. “Queria contar uma história sobre desejo, essa paixão platônica mesmo. Falar sobre os amores que, mesmo sem se concretizarem, não deixam de ser amor”, conta a autora à CLAUDIA. Fascinada por esse tema desde a adolescência, Paula Gicovate mergulha nas entrelinhas do coração no seu bloco de notas, nas cartas que escreve para as pessoas e, claro, nos livros que publica. “O fato dela ser uma terceira ponte dentro de outra relação é um mero detalhe. O livro é mais que isso, ele fala sobre esse trovão, mostra que ninguém passa impune a ele [o desejo].”
E colocar Lia longe dos estereótipos é fazê-la dona das suas decisões, mesmo que nós, enquanto leitores, não concordemos com ela em algumas passagens – mas quantas vezes não concordaram com as nossas escolhas? Acontece, somos complexos demais para sermos apenas isso ou aquilo outro. No caso da protagonista, ela é várias. Em uma das passagens emblemáticas, daquelas de rabiscar o livro, Otto pergunta: “O que você queria fazer comigo?”, em um tom sexual. Ao que Lia responde: “Andar de mãos dadas”. “Ela é a Amélia das amantes [risos]. Não quer fazer a mulher de Otto descobrir nada, não quer causar esse drama na vida deles. Ela sabe que é possível guardar o amor em outras gavetas. O que não faz ela sofrer menos, a diferença é que ela não provoca”, pontua.
Na história, somos testemunhas dos pensamentos de Lia, entre Rio e São Paulo e, depois, em Barcelona, onde ela vai para estudar em uma residência artística. Longe da sua paixão, ela escreve com uma certa frequência e-mails românticos sobre coisas que a fazem lembrar dele. É bonita a entrega e o aceite desse sentimento. “Todos nós temos traumas. Todos nós já vivemos relacionamentos que acabaram e, quando decidimos dar uma nova chance ao amor, parece que estamos pisando com cuidado no terreno, como se fosse uma zona de guerra.” Contudo, para a autora, se privar de sentir é muito triste. “Nada no amor é garantido, mas não viver o amor porque ele pode acabar é uma covardia. Eu já tive experiências ruins, já tive uma fase muito cínica em relação a tudo isso. Mas, hoje, acredito que a vida é só essa daqui, temos que viver o amor”, conta.
Se todo personagem tem um pouco de seu autor, e vice-versa, Paula Gicovate não nega a conexão. “Sempre vai existir algo ali, mesmo que não seja autoficção [como é o caso de Notas Sobre a Impermanência]. Eu conheço os sentimentos, não vivi o mesmo que ela, mas sei o que é o medo de ser estrangeira, de sentir essa paixão sufocante… Lia tem de mim o espírito desbravador e o humor, mas me considero mais corajosa que ela”, compartilha. A relação com a música, as trocas com as diferentes cidades e a claustrofobia do amor também foram elementos intercambiados entre uma e outra. A possibilidade de se reconhecer nas páginas e nas palavras de Lia é, provavelmente, o maior ganho na leitura deste livro.