Cida é criação de Conceição Evaristo. Ela vive no conto “O cooper de Cida”, no livro “Olhos D’água”, que ganhei da amiga Silvana em uma recente terça-feira, quando a convidei para um programa às cegas, certa de que não havia a menor chance de ela não gostar. Confiou em mim e nos deleitamos com Maria Fortuna entrevistando a inspiradora Conceição Evaristo, na segunda edição do “Conversas para Iluminar o Mundo”, que vem acontecendo no Manouche, no Jockey Club carioca. Que noite! Que conversa! Que beleza ouvir as histórias da senhora Conceição (quem assistiu, entenderá). Que maravilha ver como Maria preparou e conduziu as perguntas de um jeito tal que permitiu ao público tanta proximidade com a escritora!
Cida é a personagem do conto. Ela é “portadora da urgência da vida”, programada para sempre “corrercorrer” e é assim que toca a vida, no modo maratona. Sempre inicia o seu dia fazendo um cooper na praia de Copacabana. Até que, em “uma semi desperta manhã, Cida é inundada de um sentimento pachorrento de um desejo de querer parar, de não querer ir. Sem perceber, permite uma lentidão aos seus passos, e, pela primeira vez, vê o mar”.
Nesta emblemática manhã, “Cida lembra que é uma mulher e não uma máquina desenfreada e louca. E neste dia não somente vê o mar como o percebe também.”
Esse fluxo de consciência no qual “Cida lembra que é uma mulher e não uma máquina” – me transportou imediatamente para o livro “A Alma Perdida”, da escritora polonesa Olga Tokarczuk, prêmio Nobel de Literatura de 2019.
“A Alma Perdida” conta a história de João, um homem que trabalhava muito, que quase não prestava atenção no tempo que passava diante de seus olhos e acabou perdido de sua alma. Buscou uma médica, uma sábia senhora que lhe dá a receita para reencontrar-se com sua alma. Cida, que surgiu para o público brasileiro em 2014, pelas mãos de Conceição, é para mim, irmã gêmea de João, ainda que este tenha chegado ao mundo pelas mãos de Olga, três anos depois de Cida.
Na manhã em que Cida se distrai e esquece das horas, ela se atrasa para o trabalho e decide, então, que não vai, “quer parar um pouco, não fazer nada de nada talvez”. E então, fala baixinho, como se fosse uma prece: “Vou me dar um tempo”.
Tempo este que também foi necessário ao João para voltar a viver feliz para sempre com sua alma.
Júlia Roberts também já declarou em uma entrevista que o maior luxo do mundo era ter tempo para si.
Em 1992 quando eu iniciei o MBA na COPPEAD/UFRJ, nós, alunos, fomos convidados a um exercício para pensar como utilizávamos nosso tempo. Imagino que o exercício buscava nos alertar para a necessidade de gerir bem o tempo, já que o curso nos exigiria muitas horas de estudo.
Lá se vão anos, mas lembro nitidamente da surpresa e alegria de constatar que a colega de classe, María Elisa e eu éramos as alunas com maior % de horas dedicadas a nós mesmas, entre outras categorias de uso do tempo. Nunca tinha pensado sobre isso e creio que foi um alerta importante para jamais perder esse luxo de vista.
Na virada de 1995 para 1996, escrevi um verso para amigos e clientes, dando as boas vindas ao ano novo:
Dizia assim:
Dê-se tempo
Dê-se ouvido
Dê-se voz
Dê-se vez
Dê-se um feliz 1996
Vinte e oito anos se passaram e permaneço fiel ao tempo para mim.
“Conversas para iluminar o mundo” foi um destes tempos que me ofereci numa noite de terça–feira de histórias e estrelas que clareiam os caminhos de quem as presencia.
Conheça Jacqueline Resch
Jacqueline Resch é sócia-fundadora da Resch RH, membro do Conselho Deliberativo da ABRH-RJ , membro do Comitê Curador do RH Rio e professora do MBA em RH do IAG/ PUC Rio.
Com formação em psicologia pela PUC – Rio, é especialista em Psicologia Clínica pelo IPUB/UFRJ, MBA COPPEAD, Certificada nas Práticas de Colaboração e Diálogo pelo Taos Institute e pós graduada em Perspectiva e Prática Profissional Generativa, Diálogos Generativos pela Universidad de Manizales, Colombia. É também Consultora Organizacional, Coach, Designer de Conversas e Facilitadora de Diálogos.