Entrevista de Capa: A vida autêntica de Nanda Costa
Enquanto aguarda a 2ª temporada de 'Justiça', Nanda Costa ensaia novas possibilidades no cinema, e vive plenamente a revolução da maternidade dupla
De boné rosa, escrito “Dane-se”, e uma mochila a tiracolo, Nanda Costa chegou das férias em família em Salvador quase que direto para o Estúdio Baleia, em São Paulo. Foi só o tempo de descansar um pouco no hotel e desembalar as duas caixas de cocadinhas da Bahia que ela trouxe para a equipe toda. A prontidão e a generosidade combinam com a versão multitarefas que a vida lhe trouxe recentemente — ela e a esposa, Lan Lanh, são mães de gêmeas, as encantadoras Kim e Tiê, de quase 2 anos. Entre lidar com a virose das crianças, treinar muay thai para aumentar a disposição, fazer terapia quado possível e desdobrar-se para ter a família sempre por perto, a atriz que está prestes a completar 37 anos experimenta a existência com a qual nem sabia que poderia sonhar.
No ano que vem, ela estreia na segunda temporada da série Justiça, ao lado de Paolla Oliveira. Está no horizonte, ainda, a adaptação para o cinema do livro O Ano em que Morri em Nova York, de Milly Lacombe. É sentada de pernas cruzadas no chão, andando descalça ou sem maquiagem, como tantas vezes ouviu que “não podia”, porém, que Nanda nos ensina a fazer as pazes com quem somos e viver nossa própria verdade: “Cuidei tanto tempo para não dar bandeira… Hoje eu sou a bandeira, a minha própria bandeira”.
Já fui muito defendida, tinha medo de chegar com o coração. Demorei para viver minha verdade, hoje está tudo certo eu ser eu
A lembrança do início da carreira, quando entendia que revelar sua sexualidade poderia significar ficar na geladeira, ainda é nítida. “Tinha medo de assumir, medo de me tirarem do armário à força, medo de abraçar as minhas amigas. Sentia como se estivesse sendo vigiada, mas isso já faz muito tempo”, lembra Nanda. “Achava que não era possível ter filho. Como ia ter filho com outra mulher?” Até que chegou a percussionista Lan Lanh no seu caminho e outras possibilidades se escancararam. “Entendi que a gente é amor, é uma família. Assumi isso publicamente e minha vida não parou, pelo contrário”, diz, em tom apaixonado.
Nanda Costa e a possibilidade de encontrar e soltar a própria voz
Foi ainda em Paraty (RJ), na cidade onde nasceu, que Nanda Costa despertou para o sonho de interpretar. Em cima do restaurante da sua mãe, montou sua própria escolinha de teatro, onde atuava, dirigia e brincava de incorporar quantos personagens pudesse. A paixão era dividida com o futebol — “Sonhava em ser jogadora, ver a Marta encerrando sua carreira agora me trouxe isso de volta” —, o que rendia comentários preconceituosos entre a sua turma. Aos 10, 12 anos, caía no time dos “sem camisa”, com os meninos, sem drama. Mas aparentemente gostar de atividades como subir em árvore e soltar pipa significava ter que lidar com apelidos provocativos como “Macho man”.
Hoje, a visão de Nanda sobre si mesma é bem resolvida: “Eu tenho a energia do trabalho, a energia do esporte, e alguém inventou que isso é masculino”. Lá atrás, porém, ela precisou buscar mecanismos para se proteger dos ataques. “Tive que fazer uma personagem. O próprio nome ‘Nanda’ representou essa pessoa. Depois que saí de Paraty, aos 14 anos, morei com uma tia, consegui uma bolsa, fui parar num pensionato de freira para poder ir atrás desse sonho muito grande. Mas por muito tempo, quando voltava para a minha cidade, eu me montava, alisava meu cabelo, controlava meus gestos para parecer mais mocinha recatada e do lar.”
O apoio da família, em especial do avô, foi fundamental para trilhar seu caminho de autenticidade e perseverança. “Meu avô foi a pessoa que me ensinou a sonhar. Cada vez que vinha um prêmio, eu dedicava a ele, que ia na banca fazer clipagem de tudo que saía, era muito especial. Era com quem dividia minhas dúvidas toda vez que surgia uma oportunidade. Era ele que falava ‘Mira no Oscar e vê onde você acerta’. Quando foi ao ar Por Toda Minha Vida, com a minha interpretação de Dolores Duran, ele fez cópias com um gravador de DVD e entregava para todo mundo falando: ‘Você viu? É a minha neta’. Logo depois, ele faleceu.”
Se no especial o áudio original em faixas como A Noite do Meu Bem era da própria Dolores, em outras oportunidades que Nanda se aproximou do microfone, ela precisou encontrar (e principalmente soltar) a sua própria voz. “A música apareceu na minha vida muito cedo, quando eu era pequena cantava no coral. Mas fui ficando adolescente, a voz mudando e comecei a ter muita vergonha”, lembra.
Amo os ciclos, amei ficar grávida e amamentar, amo ser mãe. O feminino está nesse lugar, de poder acolher
No início deste ano, ela foi convidada a participar do programa The Masked Singer. Seus vocais estavam disfarçados por baixo da fantasia de Vovó Tartaruga. “Cantar com personagem é muito mais fácil. Achei que fosse sair na primeira semana e fui semifinalista. A Vovó tinha carisma. Fiquei muito feliz com a minha ousadia e coragem. Perdi meu pai antes do episódio nove, sugeriram cantar Tocando Em Frente, eu topei e me emocionei muito. Não é a pessoa que canta mais afinado, é a pessoa que canta com mais coração que me toca.”
A medida justa do amor na vida de Nanda
Cada curva no caminho foi conduzindo Nanda para mais perto da personagem que ela vai viver em Justiça 2, com estreia esperada para o primeiro semestre do ano que vem. Sem querer dar spoilers, ela adianta um pouco da trama: “Minha personagem comete alguns delitos, não quero defendê-la, mas não é nada tão grave. Até que ela rouba um carro e tem um corpo dentro. Ela deu esse azar e passa sete anos presa. Quando sai, vai atrás da personagem da Paolla Oliveira, que é uma grande empresária do ramo do piseiro, para ser transformada numa estrela”.
Contracenar com Paolla tem um gostinho de nostalgia para Nanda. Ambas estudaram na Escola de Atores Wolf Maya. “Fiz o curso em 2001 e estava escalada para um projeto que o Wolf dirigia. Eu era a mascote da turma, até que um dia vi ele chegando com a Paolla e pensei: ‘Se ela entrou, ou teremos um novo personagem, ou ela vai ficar no meu lugar”, conta. A segunda opção era a verdadeira, mas engana-se quem pensa que rolou qualquer mágoa. “Papel tem endereço certo, aquele era para ela. E logo depois o Wolf me lançou na novela Cobras e Lagartos, e ela foi fazer Belíssima. Nos encontramos quando fui fazer um teste depois, estava com a minha mãe, e a Paolla falou para mim: ‘Garota, você por aqui! Você está com um pé fora e um pé dentro já’. Também nos deu uma carona. Aquilo marcou minha mãe, ver alguém sendo tão simpática com a sua filha. Agora, quando nos reencontramos para o teste de Justiça, comentamos sobre como parece que o tempo não tinha passado”, fala Nanda. “Fiquei muito feliz que o teste era com ela! Quando o texto chegou, era grande e eu falei: ‘Vambora!’. Decorei as falas dando mamá, fiz tudo com vontade de dar certo. Fomos aprovadas, nos divertimos e ficamos muito amigas.”
Os desafios da maternidade dupla
Dos desafios que já se apresentaram para Nanda, nenhum foi/tem sido mais intenso do que a chegada das filhas. “A maternidade muda tudo. Ainda mais a gemelar. As pessoas comentam que queriam ter dois bebês juntos, eu explico que é dificílimo. Tudo é dobrado, desde a parte financeira. Você descobre já no ultrassom que vai precisar pagar dois exames, porque são duas ali.” Antes da gravidez propriamente dita, vieram as tentativas — e o luto por cada uma que não deu certo. Depois o repouso forçado e um parto feito às pressas: “Tive pré-eclampsia, minha pressão estava muito alta, meu rim parando”.
Passado o susto, calmaria? Ainda não. “Tive uma depressão pós-parto e meu medo era que algo acontecesse com elas, ficava desesperada. A vida virou de cabeça para baixo. Minha memória, por exemplo, sumiu. Não conseguia decorar o texto de um story de 15 segundos. Muda o corpo, a privação de sono chega, a vaidade vai no pé.” Sempre ter sido corajosa foi fundamental para atravessar o período conturbado.
“Tudo que fiz, eu fiz com medo mesmo”, diz Nanda. Uma de suas frases favoritas, de Clarice Lispector, segue nessa linha: “Depois do medo vem o mundo”. E no novo mundo da atriz, cantora e compositora, houve abertura para acomodar cada demanda sua, das meninas e da esposa. “Lan Lanh foi convidada pra tocar com Maria Bethânia quando as meninas tinham 6 meses, estava acabando a minha licença-maternidade. Ela se preparou a vida inteira para isso, brincamos que ela tinha gabaritado, zerado o game, tocado com Cássia e Bethânia. Demos um jeito pra isso acontecer”, diz, celebrando a conquista. “A maternidade me trouxe uma paciência maior, a necessidade de trabalhar para receber o que chega”.
Todas as coisas que fiz, eu fiz com medo mesmo. Aprendi com meu avô que a gente tem que sonhar grande. Ele falava: ‘Mira no Oscar e vê onde acerta’
Enxergar a beleza
Equilibrar-se entre tantos papéis em algum momento representou olhar menos para si mesma: “Quando a gente se torna mãe, vai deixando de ser protagonista da nossa vida”. Foi entre uma cocadinha e outra, na sessão de fotos, divertindo-se com as sugestões da equipe feminina montada no set (o momento da bola com a camisa do Bahia foi um dos de maior empolgação), que Nanda foi retomando o contato com sua própria essência. “Fazia tempo que não me arrumava por mim. No começo, pensava que nunca estava bonita o suficiente. Tenho a sensação de entender as coisas em retrocesso. Eu percebo que havia uma dificuldade em ver a beleza nos caminhos, no todo, agora me reconheço e consigo ter um olhar mais generoso.”
É com esse olhar carinhoso que ela parte para um grande desafio: levar para o cinema O Ano em que Morri em Nova York (Editora Planeta), de Milly Lacombe. Descrito na capa como “um romance sobre amar a si próprio”, o livro foi refúgio de Nanda e Lan Lanh durante um período em que estiveram separadas. Foi a amiga Patrícia Andrade, hoje madrinha do casal e das gêmeas, que indicou, e que está junto na empreitada de dar vida à história. No fim, é só mais amor que Nanda e todos nós precisamos. “Para mim, o feminino está nesse lugar, de poder acolher”. E que bonito enxergar alguém se acolhendo, em todas as suas versões.
TEXTO: Helena Galante
Fotos: Lorena Dini (Group Art)
Styling: Fabiana Leite
Edição de moda: Paula Jacob
Beleza: Vanessa Rozan e Grasiela Paz
Produção de objetos: Ina Ramos e Andréa Silva
Direção de arte: Kareen Sayuri