Uma das mais belas e marcantes vozes da Música Popular Brasileira (MPB) se calou nesta quarta-feira: aos 77 anos, Gal Costa faleceu. A causa da morte não foi divulgada. A cantora havia passado recentemente por uma cirurgia para retirar um nódulo na fossa nasal direita. Por este motivo, precisou cancelar alguns shows, incluindo um que realizaria neste último sábado, em São Paulo.
No início deste ano, sua história havia sido contada na fotobiografia Gal Costa (Editora Bei). Ali estavam reunidas entrevistas marcantes da trajetória da artista, que abriu muitas portas para mulheres de outras gerações. Em uma conversa exclusiva com o jornalista Dirceu Alves Jr., Gal declarou na época: “Acho que faço parte da primeira geração de mulheres que conquistou o direito de existir, de manifestar as próprias ideias, porque antes todas vinham de uma educação castradora, eram humilhadas”.
Estreia
Maria da Graça Costa Penna Burgos, que depois virou Gal Costa, nasceu em 26 de setembro de 1945, em Salvador, na Bahia. Sua mãe, Mariah Costa Pena foi sua grande incentivadora. Ela contava que, durante a gravidez, passava horas concentrada ouvindo música clássica para que a criança que estava por nascer fosse, de alguma forma, musical. O ritual deu certo e, em 1964, Gal estreou em Salvador, ao lado de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Tom Zé no espetáculo Nós, Por Exemplo, uma prévia do que viria a ser o movimento Tropicália, no final da década. Logo após encerrada a temporada, o mesmo grupo criou Nova Bossa Velha, Velha Bossa Nova.
Onde o Rio é mais baiano
Em 1965, Gal seguiu os passos da amiga Bethânia e se mudou para a casa de uma prima no Rio de Janeiro. Lá, gravou sua primeira participação num disco: o duo Sol Negro, de Caetano e Bethânia. Depois, lançou seu primeiro compacto, com as canções “Eu Vim da Bahia”, de Gilberto Gil, e “Sim, Foi Você”, de Caetano.
Primeiros discos
Seu primeiro disco foi lançado em 1967, pela gravadora Philips, com o grande sucesso da música “Coração Vagabundo”, de Caetano Veloso. O primeiro álbum solo só viria, no entanto, em 1969, com Gal Costa, que selou seu sucesso como intérprete de compositores como Dorival Caymmi, Chico Buarque, Cazuza e Tom Jobim.
Década de 70
Em 1970, Gal foi a Londres, visitar os amigos Caetano e Gil, exilados pela ditadura militar, e trouxe músicas para seu disco seguinte, Legal. “London, London” e “Falsa Baiana” são algumas das canções desse trabalho. Um ano depois, ela gravou um compacto duplo, com os sucessos “Sua Estupidez” e “Você Não Entende Nada”. A década de 1970 foi uma das mais prolíficas em sua carreira: Em 1973, veio o disco Índia, e, no ano seguinte, Cantar, que traz os sucessos “Barato Total”, “Flor de Maracujá” e “Até Quem Sabe”. Em 1975, Gal consolidou seu êxito artístico ao gravar “Modinha para Gabriela” para a para a abertura da novela Gabriela, da Globo. A composição é de Dorival Caymmi e inspirou-a a lançar, em 1976, o disco Gal canta Caymmi, que traz canções como “Só Louco”, “Vatapá”, “São Salvador” e “Dois de Fevereiro”.
Doces Bárbaros
Ainda em 1975, ao lado de Gilberto Gil, Caetano e Bethânia, Gal participa do show Doces Bárbaros, grupo idealizado por Bethânia com o espetáculo que rodou o Brasil e gerou um álbum homônimo, considerado uma obra-prima. Os Doces Bárbaros eram uma típica banda hippie setentista e, ao longo dos anos, foi tema de filme, DVD e enredo da escola de samba (em 1994, a Estação Primeira de Mangueira homenageou o grupo). Em 1977, Gal lança o disco Caras & Bocas, que traz os sucessos “Tigresa” e “Negro Amor”.
Profana
Em 1978, Gal lança Água Viva, que, com os sucessos “Folhetim” e “Olhos Verdes”, se tornaria seu primeiro disco de ouro. Dele surgiu o espetáculo Gal Tropical, que foi um divisor de águas em sua carreira. A partir dali, Gal deixaria de ser uma musa hippie para se apresentar, inclusive esteticamente, como uma cantora mais madura.
1980 foi o ano do disco Aquarela do Brasil, focado na obra do compositor Ary Barroso, com faixas como “É Luxo Só”, “Camisa Amarela” e “No Tabuleiro da Baiana”. Em 1981, Gal estreou Fantasia, show em que cantava hits como “Meu Bem, Meu Mal”, “Massa Real”, “Açaí” e “Faltando um Pedaço”. Em 1982, a cantora gravou mais um álbum, Minha Voz, com destaque para as canções “Azul”, “Dom de iludir”, “Luz do Sol”, “Bloco do Prazer”, “Verbos do Amor” e “Pegando Fogo”. Um ano depois, veio Baby Gal e, em 1984, Gal grava o disco Profana, com “Chuva de Prata” e “Vaca Profana”.
Em 1985, veio Bem Bom, com os sucessos “Sorte”, cantada em dupla com Caetano, e “Um Dia de Domingo”, em duo com Tim Maia. Naquele ano, prestes a completar 40 anos, Gal, que sempre foi discreta, surpreendeu os fãs ao posar nua para a edição 127 da extinta revista Status.
Mais sucessos
Em 1987, Gal estreou o espetáculo Lua de Mel Como o Diabo Gosta e, em 1988, gravou a música “Brasil” para a abertura da novela Vale Tudo, um fenômeno de êxito nacional. Nos início dos anos noventa, lançou os discos Plural, Gal e O Sorriso do Gato de Alice. Deste último, surgiu o show homônimo, com direção de Gerald Thomas, que causou polêmica por Gal cantar a música “Brasil” com os seios nus. Em 1997, gravou o Acústico MTV, com uma versão de “Lanterna dos Afogados”, ao lado de Herbert Vianna. Em 1998, lançou o disco Aquele Frevo Axé e, em 1999, Gal Costa Canta Tom Jobim Ao Vivo, com o qual realizou o projeto do maestro, que desejava fazer um disco com ela. Nos anos 2000, vieram os álbuns Gal de Tantos Amores, Bossa Tropical, Todas as Coisas e Eu, Hoje. Em 2011, lançou Recanto, em 2015, Estratosférica e, no ano passado, seu último sucesso, Nenhuma Dor, no qual revisitou em duetos com jovens artistas sucessos que gravou entre 1967 e 1981.
Em 2023, a artista estará nas telas dos cinemas. Protagonizado por Sophie Charlotte, o filme Meu Nome é Gal, dirigido por Dandara Ferreira e Lô Politi, enfoca sua fase inicial, entre a saída da Bahia, a explosão do tropicalismo e o exílio de Caetano e Gil em Londres. Uma bela homenagem a uma das maiores divas da MPB. E uma forma de seus fãs matarmos a saudade.