Matuê, aos 30 anos, já é um símbolo incontestável do trap nacional. Apenas no Spotify, ele acumula mais de 7 milhões de ouvintes mensais, com seu catálogo na plataforma ultrapassando mais de 2,5 bilhões de reproduções. Além disso, é dono das seis maiores estreias da história do rap nacional no serviço de streaming, sendo o único artista brasileiro a ultrapassar 200 milhões de visualizações no Youtube com apenas dois clipes solo.
O segredo por trás de todo esse sucesso, além do talento nato do artista pernambucano, é a sua visão de mercado. Dono de seu próprio selo fonográfico e produtora musical [a 30PRAUM], o cantor e compositor vem ajudando a estabelecer novos parâmetros para a indústria fonográfica brasileira.
E claro, não podemos deixar de citar a importância de Clara Mendes, CEO da 30PRAUM, nesta empreitada. Natural de Berlim, a empresária se mudou para o país, superou barreiras linguísticas e culturais, e executou uma estratégia comercial e administrativa brilhante para colocar tanto Matuê — quanto o trap — no topo dos charts.
A seguir, você confere uma entrevista exclusiva com a dupla:
CLAUDIA: Como vocês se conheceram?
Matuê: Conheci a Clara já faz 10 anos, quando ela veio morar com uma grande amiga minha, que é a Emília, nossa gerente de projetos. Ela ficaria lá por apenas uma semana, até encontrar um outro lugar, mas acabou que permaneceu por vários meses. Como eu sempre frequentava a casa da Emília, acabamos nos aproximando através dessa amiga em comum.
Clara Mendes: Eu estava no Brasil para fazer um intercâmbio. O plano inicial era ficar apenas por seis meses, mas acabei não querendo voltar para a Alemanha. Permaneci um ano no país, e neste tempo, ficou muito claro que eu queria morar no Brasil. Depois desse tempo, voltamos juntos para a Europa, e passamos um período entre a França e a Alemanha, até retornarmos a solo nacional.
CLAUDIA: Me conte sobre o início de suas trajetórias profissionais. Em que momento surgiu a ideia de criar a 30PRAUM? Vocês estavam confiantes em apostar as fichas no trap nacional?
Matuê: Para contextualizar: nesta época [2016], quando a 30PRAUM foi criada, não havia cenário de trap nacional. Dava para contar nos dedos os artistas que exploravam o gênero. Então, quando eu voltei ao Brasil, eu já tinha essa ideia de fazer uma ‘label’ [gravadora] com o nome de ‘30PRAUM’, mas não imaginava que a Clara toparia embarcar no projeto. Mas aí, ela nos viu passando dificuldades para executar as ideias.
A música sempre foi a minha área, sempre tive facilidade em desenvolver a parte criativa, mas em termos de ‘business’, estávamos dando volta que nem barata tonta. Então, uma hora ela chegou e falou: ‘Pô, deixa eu testar algumas ideias para ver se consigo fazer a parada acontecer’. Então ela entrou no projeto e tomou a liderança como CEO.
CLAUDIA: E como o mercado reagiu à 30PRAUM? Vocês alcançaram uma boa abertura logo de cara, ou houveram dificuldades iniciais?
Clara Mendes: Quando realmente nos apresentamos ao mercado, entrando na parte administrativa, foi difícil. As pessoas são muito cabeça dura. Além disso, precisei dominar melhor a língua portuguesa para compreender com quem estávamos lidando. Na época, o cenário do trap era pouco organizado, e hoje em dia, a cena deu uma boa profissionalizada. Vem sendo muito mais fácil lidar com outras produtoras e contratantes.
Matuê: Sim! Só para exemplificar: há contratantes que não aceitavam artistas enviando contratos para eles assinarem. É algo super básico, mas dava bastante problema no início. A Clarinha foi incrível nesse meio tempo, pois simultâneo aos desafios do business, ela estudava a língua portuguesa para negociar shows e resolver todas as questões possíveis.
CLAUDIA: Como você mesmo comentou, o trap era praticamente inexistente no país até alguns anos atrás. Mas agora, o cenário mudou, e o gênero se tornou um dos mais populares do Brasil. O que você acredita ter sido indispensável para essa virada de jogo?
Matuê: Desde o início, acreditávamos que isso iria acontecer, e sabíamos o que fazer para concretizar essa expansão. Tínhamos vontade de lançar músicas que realmente fossem hits, compreendíamos o potencial musical do que estávamos fazendo, e sempre buscamos um nível de produção alto, em termos de qualidade sonora e visual. O que posso dizer a respeito de nossa contribuição para o crescimento do trap é que mantivemos uma consistência de lançamentos, realizando inúmeros shows, galgando o nosso público, para que, um dia, conseguíssemos capital o suficiente para investir em projetos ainda maiores. Isso finalmente aconteceu em meados de 2018.
Foi nesse ano que rolou uma virada de chave muito grande para nós, e isso ainda é uma fase antes do trap ganhar a notoriedade que possui hoje. A nossa abordagem, atenciosa e cuidadosa, transmitia esse profissionalismo que almejamos. Nossa equipe não economizou, nem em tempo ou em dinheiro, para fazer acontecer. Claro, a cultura rap tem os seus parâmetros, as suas leis, e queríamos permanecer dentro da essência do gênero. Porém, também tínhamos a consciência de que era necessário ir além, representando as coisas da maneira certa.
Clara Mendes: O trap também já era uma tendência mundial, já rolava fora do Brasil. Era apenas uma questão de tempo até invadir a cultura nacional. O essencial foi ter essa sensibilidade de prever que isso aconteceria aqui. E caso realmente fossemos os primeiros a cultivar a cena trap brasileira, queríamos fazer tudo muito bem feito.
CLAUDIA: Como você analisaria o seu crescimento artístico? Inclusive, quais outros territórios musicais você gostaria de explorar nos próximos anos?
Matuê: Ao longo dos anos, a minha autoconfiança em relação ao meu trabalho e a minha pessoa foi o meu maior traço de evolução. Sempre fui muito tímido e reservado, tinha medo de ser uma frontman (ou um MC), pois há essa responsabilidade de entreter todos que estão ali, guiar o show, passar a mensagem. São 1001 aspectos. Às vezes, nos primeiros shows, eu cantava sem olhar o público nos olhos. Me sentia acuado. Mas sempre foi o meu sonho, desde pequeno, trabalhar com música. Eu sabia que precisaria fazer acontecer independente dos meus medos. Eu tinha que honrar a minha missão. Então evolui neste sentido de entender o meu propósito e criar a minha confiança para seguir os meus planos.
CLAUDIA: Confesso que estou surpreso em saber que você lidava com insegurança e timidez no início de sua carreira, pois, ao menos hoje, o seu domínio no palco é notável. Como foi esse processo de nutrir a sua autoconfiança?
Matuê: Foi na base da marra! À medida que eu fui conhecendo novos lugares, novos artistas, colaborando, entrando em estúdio com outros cantores, eu vi que a energia, a postura e o jeito de ser [dos outros artistas] era muito diferente. Foi uma questão de observar o que me cercava por um tempo, para depois, perceber que precisava encontrar a minha essência, o meu próprio jeito de fazer as coisas, ainda mais se eu quisesse ser uma figura importante neste eixo.
CLAUDIA: Nesse caminho de crescimento, como foi a sua relação com a fama? É algo difícil para você?
Matuê: Esse foi um dos aspectos mais difíceis, pois como eu disse, sempre fui muito reservado. Por isso, deixo bem claro: se você quiser saber sobre a minha vida, vá escutar as minhas músicas. Basta ler nas entrelinhas para entender o cara que eu sou. Fico feliz que, hoje em dia, consegui criar uma relação com os meus fãs em que eles entendem os meus limites. Quem me acompanha tem outras demandas em relação a mim, demandas que não estão relacionadas à minha privacidade.
CLAUDIA: É interessante você comentar sobre isso, pois estamos em um momento em que a linha entre a vida pessoal e profissional das celebridades está cada vez mais tênue. É como se ambas fossem a mesma coisa.
Matuê: Exatamente! Durante a pandemia, acredito que isso se intensificou. Já costumávamos nos expor, mas com o isolamento social, se você não estava na internet, você praticamente não existia [risos]. Em forma de protesto, resolvi sumir de vez da cena, desapareci, não postava absolutamente nada, pois para mim, aquela megaexposição estava errada.
Claro, não estou querendo julgar ninguém. Mas, nesses tempos, eu estava em contato com algumas obras de George Orwell, e pensei muito sobre como a sociedade caminha cada vez mais para esse lugar de hipervigilância. Essa é uma parada que eu detesto. Hoje em dia, as pessoas adotaram uma postura extremamente crítica e tóxica até mesmo para coisas inocentes, sem segundas intenções. Há um novo modo de pensar, e eu faço questão de não participar disso. Então, durante a pandemia, eu sumi 100% e só voltei quando tinha algo importante para falar — que era sobre o meu disco [Máquina do Tempo, lançado em 2020].
CLAUDIA: E falando em álbum, o que você pode nos adiantar sobre o seu novo disco? Já dá para dar um spoiler do que vem por aí em 2024?
Matuê: Vai ter coisas! [risos]. Colocar em palavras é talvez limitar as ideias que estamos tentando passar para frente, mas, resumidamente, para existir a continuidade de um gênero, precisamos mantê-lo em constante renovação. Um movimento cultural sempre precisa respirar. O que estamos planejando se conecta muito a isso. Em 2024, vamos trazer uma série de novidades musicais, sônicas e conceituais para expandir cada vez mais o trap, mostrar que temos maturidade e entregar uma bagagem criativa irada. É isso que todos podem esperar pela frente.