“Vício Inerente”, segundo álbum de Marina Sena, chega às plataformas de streaming nesta quinta-feira (27), às 21h. Altamente esperado pelo público — e crítica —, o disco carrega a complexa missão de consolidar de vez a artista mineira como um dos nomes mais relevantes da música pop atual. Se a performer conquistará o feito, apenas o tempo irá dizer. Mas o fato é que, através das doze canções que compõem este novo projeto, Sena foi capaz de criar sonoridades tão hipnotizantes quanto a sua própria persona.
Da sensualidade irreverente de “Dano Sarrada” — faixa de abertura de “Vício Inerente” — à deliciosa ode ao trip hop de “Pra Ficar Comigo”, Marina transita com facilidade entre gêneros ainda pouco explorados no mainstream nacional. Aliás, mesmo que não alcance números estrondosos, a performer certamente criou uma obra que deverá servir como inspiração para quaisquer artistas pop que pensem em se destacar através da inovação musical.
A seguir, você confere a nossa entrevista exclusiva com Marina Sena, artista de 26 anos que, apesar da pouca idade, tem forças o suficiente para mudar as regras da indústria fonográfica:
CLAUDIA: Qual é a inspiração por trás do nome do álbum? Há alguma relação com o filme do Paul Thomas Anderson?
Marina Sena: A primeira coisa que me fez dar esse nome ao disco é porque acredito que ele seja muito viciante. E é um vício inerente, pois mesmo que a pessoa não queira, ela ficará viciada. Mas assim, eu já assisti o filme do Paul Thomas Anderson umas quinhentas vezes, sou apaixonada por essa sensação urbana que ele passa. Aliás, foi uma vontade minha mostrar São Paulo como este lugar quente. Todos enxergam a cidade como a ‘Selva de Pedras’, e quando eu estava no interior, também pensava assim. Mas quando mudei para cá, percebi que a cidade é quente, efervescente e repleta de diferentes culturas. Isso me fez acreditar que existe amor em ‘SP’, pois muitas pessoas de vários lugares chegam até aqui em busca de um sonho. Isso é lindo.
CLAUDIA: Foi este contato com a realidade urbana de São Paulo que lhe inspirou a buscar sonoridades inéditas para o ‘Vício Inerente’?
Marina Sena: São Paulo é completamente o pano de fundo para essas músicas. Tive muito contato com os meninos do BRIME! [trio musical paulista], que para mim, representam o som da cidade. Eu pensava: ‘Como eles podem ser tão inspirados pela cidade de pedra?’. Mas quando os conheci, entendi tudo. Foi quando comecei a me sentir corajosa para brincar com essas sonoridades.
CLAUDIA: O sucesso de seu primeiro disco lhe trouxe alguma espécie de pressão na hora de produzir este novo trabalho? Como você lidou com isso?
Marina Sena: Preciso ver na terapia, mas aparentemente, não me afetou. Se tivesse me afetado, eu não teria ousado tanto esteticamente, quanto sonoramente. Acredito que eu teria repetido a fórmula do ‘De Primeira’, que deu muito certo. Mas eu escolhi não replicar para que eu pudesse apenas fazer aquilo que me dava vontade. E acredito que isso é o que faz um disco ser tão bom quanto o outro. Fazer coisas iguais não causa impacto.
CLAUDIA: Algumas pessoas lhe acusaram de estar se ‘vendendo’ após o lançamento de ‘Tudo Pra Amar Você’, por conta da sonoridade descontraída, diferente de seu primeiro disco. Para você, por que o público tende a desvalorizar tudo aquilo que é leve, dando valor apenas para trabalhos densos?
Marina Sena: É engraçado, nunca consigo entender o que as pessoas enxergam como denso ou não denso. Eu acho meu disco novo profundo pra c*ralho, mesmo sendo muito simples. Brinquei tanto esteticamente e sonoramente com as texturas, que o considero bastante complexo. Parece que é fácil fazer isso porque eu fiz, mas isso demanda pesquisa, tempo e, principalmente, ousadia (que não é para todo mundo).
CLAUDIA: Falando nisso, como você consegue deixar as críticas e o hate de lado e apenas focar no seu trabalho, sem que as opiniões alheias interfiram no seu processo criativo?
Marina Sena: Eu tenho a sorte de ser extremamente pirracenta. Então quando alguém me julga, eu gosto de fazer pior. Teve uma época que as pessoas me acusavam de usar autotune [software que modifica a voz dos cantores] e eu nem utilizava. Eu só era afinada mesmo. Mas aí eu cansei e falei: ‘Quer saber? Agora vou colocar autotune em tudo também’. Eu adoro usá-lo como estética, para trazer uma textura diferente na voz. Eu enxergo os meus vocais como um instrumento. Se distorcemos uma guitarra, podemos muito bem distorcer a voz para proporcionar uma textura inédita. Eu tô nessa pira. Inclusive, acho que a Charli XCX sabe usar o autotune como ninguém.
CLAUDIA: Agora falando sobre ‘Tudo Pra Amar Você’. Você escolheu essa faixa como primeiro single do ‘Vício Inerente’. Qual foi o motivo da decisão? Essa canção sintetiza a energia do álbum?
Marina Sena: Não acho que ela seja o carro-chefe do disco, mas ela prepara as pessoas para o que está por vir. Já tem uma voz texturizada ali, mas ainda sim é uma canção leve, não é difícil. Às vezes você não vai nem entender o que estou cantando, mas é isso, essa é a estética. Qualquer coisa é só pesquisar no ‘Letras’ depois [diz a artista em meio à risadas].
CLAUDIA: Entrando no quesito de músicas difíceis, qual foi a produção ou composição mais trabalhosa do ‘Vício Inerente’?
Marina Sena: ‘Mais de Mil’. Foi difícil chegar nessa sonoridade, porque é a mais experimental. Me inspirei no funk de Belo Horizonte, que é bem desconstruído. Então a gente fez e refez até chegar no ponto certo.
CLAUDIA: Uma das minhas produções favoritas do álbum é ‘Pra Ficar Comigo’. Tem uma pegada bem anos noventa, remete aos trabalhos do Massive Attack [banda de trip hop inglesa]. Como foi o processo de criação desta faixa específica?
Marina Sena: Ela é super trip hop! Eu sou uma pessoa muito psicodélica, então mesmo fazendo qualquer estilo musical, sempre vou trazer algo que remeta a isso. E o trip hop é a viagem da viagem. Pelo o que eu me lembro, o Iuri [produtor e namorado de Marina Sena] começou a produção e eu escrevi a letra em cima da base que ele estava fazendo.
CLAUDIA: Em ‘Meu Paraíso Sou Eu’, você canta: ‘Meu santo me livra do mal’. Qual é a sua relação com a espiritualidade, e como ela influencia tanto os seus trabalhos quanto a sua vida pessoal?
Marina Sena: Eu não tenho uma religião específica, mas tenho bastante fé. Todos os meus passos são carregados pela confiança na espiritualidade. Eu rezo muito, sempre agradeço por tudo o que acontece. Acho que a espiritualidade é algo extremamente pessoal, cada um cria a sua própria maneira de se relacionar. Mas para mim, o mundo espiritual e o inconsciente coletivo estão interligados, e por isso, essa conexão com uma espécie de consciência ampla influencia a minha vida.
CLAUDIA: Ainda neste assunto, como você protege a sua energia por conta da exposição contínua na mídia?
Marina Sena: Eu faço várias coisas: reiki, terapias holísticas, thetahealing… Yôga, que para mim, é uma forma de se proteger espiritualmente porque nos concentramos em uma energia específica. Mas eu sou de Oxum. Sou devota de Nossa Senhora de Aparecida. Faço sempre a oração do Arcanjo Miguel. Tenho vários totens, pois me relaciono com várias religiões. Sinto que algumas das entidades que me identifico me protegem.
CLAUDIA: Adorei esse conceito da espiritualidade representar estar conectada ao todo. Pensando nisso: quando você está em cima do palco, qual conexão você sente com o público? Isso muda a cada show?
Marina Sena: O primeiro lugar que eu tive uma real experiência com a espiritualidade foi no palco. Foi durante a primeira apresentação da minha carreira, em Montes Claros, com ‘A Outra Banda da Lua’. A sensação era de estar sendo guiada, me senti hipnotizada. O palco é a minha igreja.
CLAUDIA: Como você descobriu a vocação para ser cantora? Isso está presente desde a sua infância?
Marina Sena: Eu sempre quis [ser cantora]. Quando eu ainda estava em Taiobeiras [cidade natal de Marina], eu e meu pai ficávamos assistindo programas de calouros na televisão, sonhando que um dia um caça-talentos iria me encontrar. Sonhava constantemente, mas não havia muitas possibilidades. Aí, com 18 anos, eu decidi ir atrás dessa possibilidade. Saí de Taiobeiras e fui ganhar o mundão. Passei por Montes Claros, Belo Horizonte, e agora São Paulo. Mas precisei rodar até chegar neste ponto. Não tinha dinheiro, contatos, nada. Só tinha o talento e a autoconfiança. E foi justamente essa confiança que me ajudou, pois eu sabia do meu diferencial, sempre tive muita noção do meu talento. Mas só o talento não adianta. Tem que ser cara de pau, porque o ‘não’ já temos.
CLAUDIA: É muito interessante ver a forma que você se reinventa a cada trabalho. Apesar de sua essência estar sempre presente a cada projeto, há sempre uma abordagem nova. Esse desejo por reinvenção é algo proposital ou apenas vem naturalmente em suas decisões?
Marina Sena: É uma mistura das duas coisas. É orgânico de mim querer mudar e ousar. Como artista, só vale a pena se for assim, se eu estiver experimentando, me colocando fora da zona de conforto. O tempo inteiro faço isso. Acredito que seja natural para ser proposital.
CLAUDIA: Há alguma sonoridade que você ainda pretende explorar em sua carreira?
Marina Sena: Eu sonho em um dia fazer um disco de jazz. Não sei se será no terceiro álbum, mas em algum momento, vai acontecer. Confesso que tô sempre curiosa para ver o que vou aprontar, é quase como acompanhar uma novelinha.
CLAUDIA: E em relação ao segundo single do ‘Vício Inerente’: você já definiu qual faixa será trabalhada em seguida?
Marina Sena: Não, ainda estou na dúvida. Tem muitas músicas que já estão produzidas e que poderiam ter entrado no disco, mas não acho que seja o momento delas. Tem canções muito mais experimentais, você não tá entendendo, é loucura. Só que ao mesmo tempo, acredito que há uma história sendo contada desde o ‘De Primeira’, e eu gosto de respeitá-la. Por exemplo: ‘Me Ganhar’, que é uma das faixas do ‘Vício Inerente’, foi finalizada no mesmo dia que eu gravei os vocais de ‘Voltei Pra Mim’ [faixa do disco de estreia de Marina, lançado em 2021].
Ela poderia ter entrado no ‘De Primeira’, por soar como um hit. Mas não tinha nada a ver com aquele momento. E aí, quando começamos a gravar as outras músicas do ‘Vício Inerente’, eu percebi que ‘Me Ganhar’ era parente das faixas novas. Notei que havia começado a experimentar com a minha estética atual ali atrás. O mesmo vale para o meu segundo álbum. Há trabalhos que são para outro disco, com outra narrativa. Mas não sei quando lançarei o próximo, até porque acredito que o ‘Vício’ vai dar muito o que falar. Devo ficar muito tempo trabalhando nele.
CLAUDIA: E para qual faixa do ‘Vício Inerente’ você adoraria gravar um videoclipe?
Marina Sena: ‘Dano Sarrada’. Quero muito fazer um clipe para ela!
CLAUDIA: Por fim, qual é a sua colaboração nacional e internacional dos sonhos?
Marina Sena: Nacional… Anitta! Internacional seria a Rosalía. Amo as duas!