A “Marininha de Taiobeiras” — como a própria cantora Marina Sena se autodenomina ao relembrar da infância no interior de Minas Gerais — jamais poderia imaginar a grandiosidade dos feitos conquistados. Seu mais recente disco, Vício Inerente, lançado em abril deste ano, foi a quarta maior estreia de um álbum nacional no Spotify Brasil em 2023 (ao todo, as faixas acumulam quase 40 milhões de reproduções apenas na plataforma). Também se provou uma potência em cima dos palcos, chegando a esgotar shows de sua nova turnê em países da Europa.
Mesmo com tantas vitórias, Marina se mantém modesta ao refletir sobre o sucesso da nova era. “O CD ainda não tem um hit megalomaníaco como ‘Por Supuesto’, mas acredito que ele me consolide como alguém capaz de fazer a diferença. É como se eu finalmente compreendesse o meu valor na música nacional. Agora, tenho novas possibilidades e públicos”, explica.
Aliás, tal mentalidade de se compreender como uma cantora relevante para a cultura pop só foi possível após passar por um dos momentos mais turbulentos de sua carreira. “Quando ‘Por Supuesto’ estourou, fiquei assustada. Me preparei a vida inteira para essa exposição massiva, mas ao ler os virais de hate sobre a minha voz, passei a ter medo. Naquela época, a única defesa que encontrei foi me tornar apática, endureci o meu coração”, diz. Nem felicidade, nem tristeza foram vivenciadas por ela nessa época.
Desistir, porém, não era uma opção. “A única escolha possível era continuar, e foi isso que eu fiz, mesmo distante de minha essência. Sempre senti muito a arte, é algo que está em minhas veias, que me possui. Nesses tempos, a música parou de me possuir. Foi horrível não sentir nada, pois o que eu crio faz parte das minhas emoções.”
Ironicamente, a cura para a apatia veio através do mesmo canal que a colocou na mira de um público feroz: a música. “Lembro que estava cantando ‘Azul’, do Djavan, num show e comecei a chorar. Cada verso me curava, me preenchia com uma porção de vida. Fazia tanto tempo que eu não chorava assim… Música me toca, me emociona, e eu fiquei feliz porque este era o estado [emocional] que eu tanto queria retornar. Desde então, caminho nessa direção. Ainda vivo o processo, mas graças a Deus, meu coração está amolecendo e me sinto cada vez mais confiante.”
Marina adotou uma postura realista, tendo completa consciência de que a sua autoestima está suscetível a oscilações. Porém, ao invés de erguer muros à sua volta, a artista vem apostando na manutenção de sua confiança: “Eu faço muita análise e, especialmente, terapias holísticas: constelação familiar, thetahealing, reiki, massagens energéticas. Me importo bastante em nutrir corpo, mente e espírito. É como uma casa, você tem que fazê-la funcionar. Não podemos deixar um jardim abandonado. Temos que ir lá, renovar as plantas, podar o que for preciso, tornar as coisas bonitas. O mesmo vale para a gente: cada detalhe precisa estar em bom funcionamento para conseguirmos curtir a vida”.
Essas ações, em conjunto, fizeram a popstar se apoderar da influência que gera. “Atualmente, consigo visualizar o tamanho do meu espectro, o quanto impacto as pessoas energeticamente. As pessoas dizem que eu sou ‘estranhamente linda’, acham que são atraídas por mim pela minha bunda, mas, na verdade, é por conta da vibração que eu emito. Eu quero mais é afetar e ser afetada. Que seja por meio do bem para evoluir ou pelo mal para que eu nunca mais caia nas mesmas armadilhas.”
Mesmo se abatendo em algumas ocasiões, a intérprete confessa que, no fim do dia, o que verdadeiramente a movimenta como artista é despertar conversações: “Tenho o desejo de ser uma cantora famosa desde criança. Esse aspecto da fama, de chamar atenção, gerar controvérsias e causar debates a partir do que eu visto, falo ou canto me enche de tesão. Amo gerar impacto e costumo ter pavor de passar despercebida quando essa não é a minha intenção.”
Inclusive, se algum ponto específico em sua carreira vem incendiando discussões, é a sua voz — algo que a própria mineira reconhece: “O público fica nessa de ‘será que ela canta ou não canta?’, mas eu canto muito. A minha proposta vocal nunca foi unânime. Eu quero gerar estranheza, transmitir certa petulância. Algumas pessoas se incomodam com os agudos, mas se a canção pedir essas notas, eu vou fazer”, dispara.
Esse é um dos raciocínios que melhor fluem na mente de Marina Sena, uma vez que, bem antes da fama, ela já enfrentava tais pitacos. “Parei de cantar durante a adolescência porque os meus colegas diziam que a minha voz era esquisita. Um menino sugeriu que eu tomasse anabolizantes para engrossar os vocais. Só fui perder a timidez quando uma amiga me incentivou a performar ‘Someone Like You’, da Adele, em seu aniversário de 15 anos. Ninguém estava botando fé, mas, ao fim da apresentação, todos estavam chocados, me aplaudindo de pé. Foi nesse dia que percebi um potencial em mim.”
Um sonho que veio para ficar. Desde então, uma necessidade se tornou constante na vida da artista: conquistar todos os espectadores em suas apresentações. “Eu nunca perco isso. Jamais irei subir num palco achando que o jogo está ganho. Por isso, não gosto de dar festas no camarim. Antes de um show, estarei num estado de completa concentração com a minha equipe, realizando alongamentos e aquecimentos vocais. Seja para uma plateia de um milhão ou três pessoas, entrego o mesmo foco.”
Por sinal, é com esse espírito de atleta que Marina se prepara para o que provavelmente será uma das performances mais simbólicas de sua trajetória: o tributo para Gal Costa, no The Town, marcado para 10 de setembro. “É uma responsabilidade enorme, estou extremamente nervosa. Por outro lado, venho ensaiando para isso durante a minha vida inteira. Escolhi um repertório lindo, acredito que todos os fãs irão amar.”
Visivelmente emocionada, ela relembra do dia em que ela e Gal gravaram “Para Lennon e McCartney” — último trabalho da cantora baiana: “Quando a encontrei no estúdio, mal conseguia falar. As palavras desapareceram da minha boca. Aí, Gal me contou que havia descoberto que nós duas tínhamos nascido no mesmo dia [26 de setembro]. Eu respondi que éramos do mesmo planeta, disse que sentia uma conexão. Ela abriu um sorriso e falou: ‘Também acho’”, revela a compositora em meio a risadas que transmitiram um misto de saudades e orgulho.
Em seguida, firme, declara o seu amor pelo ícone da música brasileira, que faleceu no fim de 2022. “Gal me libertou de qualquer sentimento menor que eu poderia ter em minha vida. Ela me libertou como mulher, fez com que eu abraçasse a minha sexualidade, a minha vontade de viver. Gal era muito livre, à frente de qualquer tempo, e tinha um enorme orgulho em ser brasileira. Isso é incrível.”
Ao ser perguntada se deseja seguir os mesmos passos de sua ídola — e em qual patamar da indústria deseja se encontrar daqui a alguns anos —, ela diz: “Quero ter muitos hits, claro. Mas, acima de tudo, almejo ser reconhecida como aquela cantora que faz música boa. É tudo o que eu espero para o meu futuro.” Marininha está no caminho certo para isso.
“Gal me libertou de qualquer sentimento menor que eu poderia ter em minha vida. Ela me libertou como mulher, fez com que eu abraçasse a minha sexualidade, a minha vontade de viver.”
- TEXTO KALEL ADOLFO
- FOTO JULIA RODRIGUES
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