Aos Nossos Filhos, filme dirigido por Maria de Medeiros baseado na peça homônima de Laura Castro, chega aos cinemas nacionais nesta quinta-feira (28). A trama complexa gira em torno de Vera (Marieta Severo), uma sobrevivente da ditadura que carrega grandes traumas do passado. Mesmo tendo sofrido severas injustiças sociais, ela não consegue aceitar a homossexualidade de sua filha, Tânia (Laura Castro). E quando a jovem declara que deseja ter um filho com Vanessa (Marta Nóbrega), o embate entre mãe e filha apenas se intensifica, expondo feridas emocionais não cicatrizadas dos dois lados.
Preconceito, dualidade humana e o desapego de nossas verdades mais profundas: o longa retrata todas essas temáticas de forma extremamente sensível — e até mesmo ácida. Para mergulharmos ainda mais na obra, Claudia bateu um papo exclusivo com a cineasta Maria de Medeiros, Marieta Severo e Laura Castro. Veja a seguir:
CLAUDIA: Como vocês acreditam que a mensagem do filme conversa com o atual cenário sócio-político do Brasil?
Marieta Severo: Infelizmente, continuamos lutando contra todos os preconceitos que são mostrados em tela. E é bonito mostrar a Vera [personagem de Marieta], essa mulher progressista que lutou contra o autoritarismo e a ditadura, se atrapalhando para lidar com as questões de sua filha LGBT. A geração dela é capaz de ir até certo ponto, e abordar esse debate é muito emocionante, especialmente da forma que foi feito na produção. O longa tem tudo para ocupar um espaço de reflexão importante nas mentes de quem acha que ainda vale a pena viver com tantas amarras.
Maria de Medeiros: O que é a parentalidade se não o desejo de transmitir as nossas prioridades e o que consideramos importantes aos nossos filhos? Talvez a transmissão seja o maior ato de amor existente. Na filosofia platônica, só aprendemos e ensinamos de forma amorosa. E para mim, houve um grande problema e falha na memória afetiva do Brasil. Uma brecha se instaurou em nosso país, fazendo com o que amor se perdesse em algum lugar. Entramos neste cenário duro, escuro, retrógrado, porque – assim como entre as personagens – houve uma falha na transmissão.
Laura Castro: Quando escrevi a peça, não pensei na extrema-direita fascista como personagens. Tínhamos a Vera, que apesar de ter passado pela ditadura, não conseguia compreender a homossexualidade da filha. Simultaneamente, temos a filha que, apesar de ser uma ativista LGBT, sente dificuldades em entender o passado da mãe. Quando o projeto saiu do papel, ficávamos debatendo sobre qual das duas tinha razão. Mas após as últimas eleições, eu pensei: ‘Gente, a galera que tá votando vai destruir a mãe e a filha. Neste cenário, as duas seriam perseguidas igualmente’. Portanto, na iminência das próximas eleições, é importante olharmos não apenas o nosso passado, mas também o futuro. Precisamos saber o que queremos para os nossos filhos neste país que existe e resiste. Vera e Tânia não morreram.
CLAUDIA: Como foi reviver momentos tão íntimos de sua vida nas gravações deste filme? Houve uma cena específica que mexeu mais contigo?
Laura Castro: Apesar de ser inspirada em experiências pessoais, a vida da Tânia não é a minha. Construí essa personagem em cima de várias referências que eu tive ao conviver com mulheres que viveram a dupla maternidade, assim como eu. Fiz muita pesquisa. Dito isso, houveram muitos momentos em que as gravações se aproximaram de minha jornada. Assim como a Tânia, também não gerei a minha primeira filha. Ela foi gestada na barriga da Marta [que faz o papel de Vanessa]. Uma cena que aconteceu comigo é aquela que minha personagem vai ao Yoga para gestantes sem estar grávida. Isso era algo que eu fazia toda terça e quinta-feira. Além disso, a sequência de abertura, que mostra um momento de sexo lésbico, foi a primeira cena que gravamos para o projeto. A essa altura, eu estava separada de Marta a alguns anos. Foi uma situação especialmente delicada, mas contamos com um olhar carinhoso da Maria [diretora]. Foi uma cena de amizade e acolhimento entre todas nós.
CLAUDIA: Sua personagem possui várias facetas e camadas. Ela não é apenas uma vilã ou santa. Vera representa a totalidade do que nos faz seres humanos, com nossas hipocrisias e virtudes. Como você conseguiu transmitir toda essa pluralidade através de sua atuação?
Marieta Severo: Muito obrigada por me dizer tudo isso! Eu acho que a base de nosso trabalho é o roteiro. Aquilo nos dá tudo. Aí temos a pessoa que nos dirige, que além de tudo, é uma puta atriz. Ela vai te colocando dentro da ideia. Depois, temos a troca com quem está em cena. Todos esses ingredientes fazem o bolo crescer. Perguntaram em outra entrevista sobre como eu e Laura nos preparamos para viver mãe e filha. Eu parei e pensei: ‘Preparação? Parece que sempre fomos mãe e filha’. Não tentamos fazer um experimento de laboratório. Desde que ela me mostrou a peça, nós já nos afinizamos muito. E essa mistura tá aí no filme.