A rejeição é um daqueles sentimentos duramente evitados, inclusive inconscientemente. Por mais que do lado de fora tenha uma aparente confiança em não se importar com os julgamentos alheios, por dentro carregamos feridas, insegurança e humanidade.
Mesmo sem ter assistido ao Big Brother Brasil 21, da Rede Globo, Mano Brown tinha ideia desse emaranhado e complexo estado emocional vivenciado pela rapper Karol Conká na saída histórica do reality show.
“Se eu tivesse participado, poderia ter sido eliminado com uma porcentagem maior do que a dela”, diz o compositor e um dos líderes do grupo Racionais MC’s sobre a primeira entrevistada do seu podcast, o Mano a Mano.
“Quando sugeri o nome da Karol como convidada, ouvi questionamentos do tipo: ‘como você vai deixar ela falar?’. Não recebi apoio fora da produção, mas essa rejeição me interessa muito. Tive a oportunidade de conversar com uma mulher negra em um momento de fragilidade e isso foi marcante”, disse o anfitrião.
No olhar da artista, que teve atitudes polêmicas durante a passagem pelo programa, Brown enxergou uma pessoa familiar. “A Karol me lembra a minha mãe, a dona Ana, que era uma mulher negra, de opinião forte e atitudes inesperadas. Quando criei essa conexão na entrevista, a conversa fluiu melhor”, reflete.
A produção original do Spotify, que estará disponível na plataforma a partir desta quina-feira (26), é fruto de um movimento de mergulho nas próprias origens do letrista. “Na pandemia, comecei a pesquisar sobre a minha ancestralidade africana. Os estudos me ajudaram a enfrentar esse período de pandemia e viraram assuntos frequentes nas conversas com meus amigos”, explica Brown, que em um desses papos recebeu o conselho de dividir as histórias e conhecimentos em um podcast.
Para trocar essas experiências, ele recebe personalidades de diversos segmentos, como o pastor e ativista Henrique Vieira, o médico Drauzio Varella e o vereador Fernando Holiday.
“Ouvir o doutor Drauzio é como ter um pai que não tive. Ele tem muito a ensinar em todos os aspectos da vida, não só na área da saúde. Normalmente, eu que sou o mais velho da turma e dou os conselhos, não tive essas pessoas mais experientes pra desabafar e pegar a visão”, revela.
Ciente do seu papel transformador na vida de tantos cidadãos, principalmente periféricos e negros, o rapper vê na juventude a força-motriz para dissolver tantos problemas sociais, como racismo, machismo e LGBTfobia.
“Vivemos um momento em que as inteligências negras conseguem driblar essa asfixia e pressão em cima dos nossos pensadores. Temos artistas e personalidades de outros segmentos com uma produção intelectual politizada e surpreendente. Eles que vão fazer a diferença no Brasil”, aspira.
A troca entre gerações, universos e até visões de mundo diferentes mostra ao ouvinte que a liberdade é o que dá o tom em todos os episódios do Mano a Mano. “O filtro fica por conta do público, que vai interpretar cada conversa à sua maneira”, finaliza Brown.